Eu morava na fazenda...
Eu morava na fazenda...
Levantava bem cedinho, assim que o dia raiava, e os bichos começavam a barulhar.
Sentia aquele cheirinho de café recém torrado e moído, feito na hora no fogão á lenha. Nessas horas minha mãe e me pai já estavam no curral tirando leite das vacas ou alimentando o restos dos animais. Eu me arrumava, arrumava o lanche e rumava pra escola.
Para chegar na escola eu tinha que atravessar o rio, que ficava no fundo da fazenda. E todo dia eu fazia isso para ir e para voltar da escola. Geralmente eu atravessava sozinha, na canoa que a gente tinha. Só quando o rio enchia nas épocas de chuva e que meu pai me atravessava, a correnteza fica muito forte e seria muito fácil eu tombar a canoa.
No caminho para escola eu já encontrava com alguns alunos, outros até atravessavam comigo, e íamos todos juntos para escola. A nossa escola era como uma casa grande de fazenda, retangular, com telha de barro mas sem paredes internas, e com uma varanda na frente. Na sala a gente não tinha divisão de turmas e series, era todo mundo junto, mas cada um estudando a matéria correspondente ao teu ano.
Assim que a gente chegava lá, íamos limpar a escola. Vassoura de palha, rodo, balde, pano na mão e era uma diversão. Depois limpávamos os bancos e as mesas que a gente usava para escrever, para daí começar a aula.
Cada um tinha uma dificuldade, uma estranheza, uma historia para contar. Todos nós morávamos na fazenda, e a escola era rural, hoje não existe mais.
No meio da manhã a gente lanchava. O lanche vinha da prefeitura e eu preparava, as vezes tinha ajuda da minha mãe. O deposito do lanche era um jiral no final da sala, e ninguém mexia.. Cada dia tinha uma coisa, tinha tutu de feijão, arroz com charque, canjica, aquele biscoito de maizena e suco.
Tem uns fatos que me marcaram nos anos que passei nessa escola..
Um foi a comemoração em homenagem ao dias das mães.
A gente adorava festa, e tudo era motivo pra gente fazer uma festa. E cada um trazia o que podia e tinha em casa. Um pedaço de bolo, biscoito ou pão de queijo, biscoito de leite, um saquinho de suco em pó, leite, farofa de carne, rapadura, farinha, e assim por diante, e a festa ficava era boa.
Na festa dos dias das mães resolvemos fazer um bolo, e cada um trouxe alguma coisa para que eu fizesse. Ovo, leite, farinha de trigo, fermento...levei tudo para casa para fazer. Minha mãe e minhas irmãs que estavam de visita na fazenda me ajudaram. E num é que ficou bonito, o recheio era de doce de leite e a cobertura de clara de ovo batida com açúcar, pensa no trabalho. O difícil era para atravessar o rio com o bolo, mas por fim conseguimos.
Uns dias antes eu tinha ido a prefeitura para falar da festa que a gente ia fazer na escola, e aproveitei e pedi uns refrigerantes, para a gente tomas , além daquele suco de saquinho. A gente ganhou uma caixa daquelas garrafinhas de vidro da coca cola, e detalhe quente. Não tinhamos onde esfriar, afinal não tinha energia eletrica para aquelas bandas.
A festa foi bem legal, as mães gostaram e os meninos mais ainda.
Outro fato legal eram as reuniões de pais, ia pai, mãe, irmão, primo, avó, todos queriam saber do desempenho dos filhos. Numa reunião dessas propus a criação de uma cantina na escola, ou melhor uma cozinha. A quantidade de alunos tinha subido muito e a escola que só funcionava em um turno, precisou funcionar nos dois para dar conta, e eu não tinha mais tempo para fazer o lanche. A proposta foi aceita pelos pais, e a prefeitura deu o material de construção e eles levantaram a cozinha, com fogão a lenha e tudo mais, deixaram tudo arrumadinho. A prefeitura contratou uma cozinheira, era uma senhora que morava ali pertinho. Lembro de uma horta que a gente fez, na beira do rio, que ficava perto da escola, foi a maior diversão. Tudo tão verdinho. Todo dia a gente pegava alguma coisa na horta pra colocar no lanche, que ficava mais gostoso.
À muitas coisas a lembrar, fatos que tiveram grande importância na minha vida e na minha carreira. E ainda não falei né, eu era a professora dessa turma. Ensinei e aprendi muito. E foi daí que descobri o que eu iria seguir na vida.
Esse breve mas interessante texto, faz parte da historia de vida da pessoa que me colocou no mundo: minha MÃE, Maria Neide Cruzeiro. Toda vez que a vejo contar um pedaço de sua vida, volto ao passado imagino como se estivesse acontecendo agora, e vejo como o seu caráter foi construído. E suas vitórias são merecidas.
Te Amo mãezinha!!!