Novela durante a guerra
A novela ontem estava de matar. Gelson Anthony em “passione del lavoro” era internauta na trama e estava sofrendo de curiosidade fundamental. Colecionava imagens eróticas em meio ao seu conturbado instinto imaturo para visões do gênero. Acabaria trocando a pornografia pelos filmes de guerra com carnificina da Sessão da Tarde. Sempre de acordo com a teoria regressiva, diante do psicanalista Flávio Quilovates. Este último investigava sofrimentos viscerais.
- Percebo que você está falando e olhando para o computador?
- Pelo menos a sacanagem virtual é gratuita e inodora, doutor.
- É a primeira vez que você fala disso comigo...Não me chame de doutor.
- Também não dá para contar tudo, tem a parte simbólica... Uma vez me pegaram com um travesti.
- Foi grave, drástico ou era uma mulher gorda?
- Grave? Foi sim. Era polpuda, talvez tenha me enganado. Mas chegou a polícia. Sabe como é polícia nesses casos. Eles me levaram o travesti, a carteira, os talões de cheque e todos os cartões de crédito... (Deu na novela) Ainda caçoaram de mim. Foi mal.
- Isso foi antes da subida do morro pelas forças armadas?
- Não lembro, mas o capítulo da novela foi depois da subida no morro do Alemão. Reinava a maior paz. Ainda bem que acabaram com o funk. Na minha cabeça só havia sexo sórdido e ancestral, mas com repetição contemporânea vipe. Minha mulher me pegou vendo pela web um monte de libertinagem.
- Como ela reagiu?
- Odiei quando disse: ainda bem que somos adultos! Ser adulto é bom por causa disso. Frisou: na novela nunca esperei que você se portasse como adulto, até que enfim essa novel...
- Tapei a boca da gaja na maior cacofonia possível: boca dela. Pô! Roteirista povão tem dessas coisas.
Flávio Quilovate - Estou eletrizado! Depois o psicanalista aqui sou eu e não a sua mulher.
Quilovate levanta o traseiro hemorroidal da cadeira duríssima do cenário, observa o relógio clínico com cara de Holmes; suspira teatralmente, profere um laconismo inédito e técnico: tenho saudades do Gaiarça.
A cena recebe um rápido corte. Vem a chamada para o Jornal Territorial. A jornalista caminha imortal entre o tiroteio mostrando a invasão contraplongé das câmeras, a polícia na favela do Alemão faz o alemão escurecer aos poucos. Escurecendo.
Chega um garoto lá de cima e devolve uma garrafa “pet” de coca...Cola. A garrafa contém todas as cápsulas detonadas que o menino acabou de catar do chão em cima do morro. Bate na perna da repórter com o dedinho indicador. É protesto inocente de criança calma e decidida exigindo interpretação dos fatos. Parece coisa de filme deve ter pensado. A repórter decide imediatamente a autoralidade do conteúdo num gesto contraplongé de ataque.
- Olha a quantidade de balas vindas lá de cima...
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A novela ontem estava de matar.