QUESTIONÁRIO INDISCRETO

Não sei se devido a minha incapacidade para decorar nomes e datas, também não consigo gostar de definições. Consolo-me pensando que resumir ideias e fatos a meia dúzia de palavras ou números – por brilhante que pareça –, acaba de alguma forma cerceando a fantasia. É a minha clássica saída pela tangente! Mas o que eu queria falar mesmo é que, num tempo não muito remoto, era moda entre os jovens responder certo Questionário Indiscreto – também conhecido pela abreviatura “Q.I.” Na verdade um caderno onde, com toques intimistas, faziam-se perguntas capciosas às coleguinhas ingênuas! Aquilo era um manjar para fofoqueiras da língua afiada; e ‘carne fresca’ para unhas e bicos dos gaviões! Entre arroubos juvenis se entregava o jogo: escrevendo coisas que não se tinha coragem de dizer aos pais, referir às professoras, confessar ao padre...

Haja vista os três últimos verbos conjugados no infinitivo, desnecessário será dizer que tais “Q. I.” eram respondidos anonimamente, e de preferência com letra de forma. Exceto a dona do caderno – porque sorteava quem responderia -, leitores ocasionais desconfiavam da real identidade da autora das confissões, a partir do palavreado e o capricho. Aluno-homem respondia o Questionário por farra. Ou na esperança de descobrir os segredos e sonhos ‘delas’...

Entretanto, muitos rapazes e moças levavam aquilo a sério, dando respostas sinceras. Daí, que se lhes podia antever a profissão almejada, o que achavam dos colegas, da cidade, expectativas no amor, filme e música preferidos, paixonites recolhidas... Vez por outra, um espírito de porco cismava em fazer gracinhas ‘espirituosas’... Numa destas, eu embarquei. Ao responder o Questionário de certa colega com fama de santinha e caxias, fui irreverente. “Se fosse morar numa ilha deserta, quem levaria junto?” A fim de zoar, escrevi “Uma cozinheira bem gosotosona... pra não morrer de fome!” Outro quesito “Diga três coisa importantes na vida?” Mandei ver “Carro, bebida e mulher! Mas não, necessariamente, nesta ordem!” E ficando mais quente “Cite um lugar estranho, onde gostaria de fazer amor?” “Na orelha!” Tripudiei, achando-me o verdadeiro rei da cocada preta!

Para encurtar a estória, a mãe da carola - que posava de mais santarrona ainda - dias depois pegou o caderno de "Q.I.", e incendiada de curiosidade não teve pudor em exigir que a filha contasse quem era o “moleque indecente”... Até que certa noite, fazendo em casa da c.d.f. um trabalho de grupo, a distinta senhora chamou-me para a tal conversa séria. Na verdade um sermão. Depois de ouvir seu moralismo classe-média, como ex-coroinha que gaguejava uns latins de missa, argumentei que coisas muito mais “indecentes” estavam escritas na Bíblia! Escandalizada, a beata rogou-me uma praga feia.

Nada obstante meu profundo respeito às naturais ou tingidas – porque todos temos nossos cinco minutos diários de loura –, paguei caro pela impertinência. No semestre seguinte, sabendo que certa gatinha de quem estava a fim respondera um Questionário Indiscreto, subornei sua dona com bela caixa de bombons. E sôfrego fui atrás das respostas e pistas. Logo na pergunta “Qual é o tipo de homem da sua vida?” – com letra enfeitada por lacinhos a belezura grafou “Rico, alto, moreno, inteligente...” Nem precisei virar a página e ela já era minha ex, futura e fracassada... namoradinha!

dilermando cardoso
Enviado por dilermando cardoso em 30/11/2010
Reeditado em 09/12/2010
Código do texto: T2644792