COTIDIANO

C O T I D I A N O

Dizia Mário Sete: “arruar é não ver apenas. Arruar é sentir a cidade. Evocar seu passado, partilhar do seu presente, sonhar com o seu futuro. Conhecer e recordar. Pisar e querer, adivinhar o que pensam. Arruar no entender do agrônomo Osvaldo Martins é “passear com imensa alegria e eterna saudade as coisas e os fatos de nossa cidade”.

Arruar: percorrer as ruas, vadear, passear pelas ruas. Por isso, quando disponho de tempo, passeio calmamente pela cidade do Recife a observar sua paisagem, sua gente, a observar a obstinação desta para sobreviver neste mundo tão conturbado e a constatar a verdadeira mágica que ela faz para obter o mínimo para sua manutenção.

Creio que só mesmo a esperança, esse sentimento que aflora de forma determinante em cada um de nós, ajuda a manter erguida a cabeça dessa gente e a manter em alta sua perseverança em sobreviver. Em uma dessas andanças me deparei com um aglomerado em frente ao prédio dos Correios e Telégrafos; era aproximadamente 19 horas e o vaivém do horário favorecia o ajuntamento de pessoas. Assistiam pasmados ao desespero de um rapaz, bem vestido, a aparentar pertencer a classe social privilegiado; tivera o seu carro abalroado por ônibus da empresa São Paulo.

Era comovente e pitoresco ao mesmo tempo: esbravejava, puxava os cabelos e pedia a um transeunte o auxílio da polícia. Foi quando me veio á mente a afirmação contida no livro “O Príncipe” de Maquiavel, quando este assegura: “os homens olvidam mais rapidamente a morte do pai do que a perda do seu patrimônio”. Embora não devamos generalizar tal afirmação, a verdade é que o homem nos dias atuais se apega aos bens materiais de uma forma total a esquecer os demais valores, para infelicidade de nossa geração.

A conseqüência é a onda de violência a crescer a cada momento, pois o que importa é o auferir vantagens, ao levar tudo de roldão. Mas, volto ao acidente. Pessoas atraídas pela discussão aumentou o aglomerado, cada uma a emitir opinião desencontrada sobre o ocorrido. Em dado momento o homem volveu ao carro aonde, a sobraçar uma pasta, deu a impressão que retiraria uma arma a amedrontar e a obrigar os circunstantes a se afastarem do local.

Ao lembrar dos constantes acontecimentos de violência que assola nossa cidade também me retirei sem ver a solução do problema. Inevitável foi o cotejo das situações observadas. A luta e a resistência da maioria daquela gente humilde no buscar condições para sua sobrevivência; e a reação desesperada do rapaz, aparentemente abastado, pela pequena avaria sofrida em seu automóvel.

Dois fatos, cada um deles a refletir os valores exercitados pela classe social a que pertencem, a pontificar a maneira de se postarem em defesa de suas prerrogativas existenciais. Ah!, as eternas diferenças sociais, tão difíceis de serem entendidas, mas, na realidade, sempre presente quando se trata da observação, da análise, do confronto do comportamento do ser humano em qualquer povo, em qualquer época!

Continuei a caminhar e a matutar sobre os conflitos humanos e a dificuldade em entendê-los em toda a sua plenitude, apesar da experiência acumulada ao longo dos anos. A passagem desses últimos, como muitos imaginam, não serve de parâmetro para que nos consideremos aptos para penetrar a alma humana . A esfinge continua á espera de ser decifrada.

ANTONIO LUIZ DE FRANÇA FILHO (ex-celpe)

antoniofranca12@yahoo.com.br

ANTONIO FRANÇA
Enviado por ANTONIO FRANÇA em 29/11/2010
Reeditado em 22/02/2015
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