Deixando o Jardim

Tamanha era minha ânsia de chegar a Lisboa que, quando a porta do avião se abriu, eu já estava entre os primeiros a sair e esperava com os dentes acirrados o vento frio do inverno português.

O que me entusiasmava mais era a possibilidade de voltar a tocar nos palcos europeus. Reencontrar aquela estrutura. A melhor, sob certo ponto de vista.

A Bahia se destaca no cenário musical brasileiro por ser uma panela produzindo talento humano constantemente. Nossos músicos são cheios de inventiva, fecundos criadores de uma cultura musical ainda pagã. Mas os músicos europeus são dedicados cientistas musicais. Respeitosos da qualidade do som, magníficos executores de uma ciência experimentada no tempo. Usam os melhores equipamentos. Pois o publico de lá vai aos shows mais para ouvir, pouco para dançar. Na maioria das vezes, preferem sentar e assistir.

Pureza, acústica, intensidade e beleza são critérios, não opiniões. Dispor desta estrutura me deixava pleno de um orgulho, paradoxalmente, bem brasileiro. O mercado do entretenimento europeu aposta muito nos brasileiros, é quase como se sentissem prazer em contratar alegria importada para animar seus eventos. E eu estava ansioso, sobretudo pronto, para oferecer-lhes uma longa lista de novidades.

Tinha saído de casa com três horas de antecedência e despedi-me de meu pai, que me acompanhara até quase dentro do ônibus. Não podia ir além, pois somos do tipo que não gosta de despedidas. Ou ao menos é o que queremos ser. Nos olhamos de longe, com discretos acenos. Nosso sonho é ser da tribo dos que apertam as vistas: Durões, exemplos de desapego nas ações.

Nossa realidade, talvez seja apenas não querer chorar. Pois eu ainda tentava chacoalhar sentimentos pra longe sozinho dentro do ônibus. Durante o trajeto até o aeroporto, ia me despedindo aos poucos do meu velho amigo. Toda viajem comporta uma despedida, que a gente goste ou não. É quase uma regra. Não queria ser eu a exceção, então buscava diluir a minha com preparativos sistemáticos:

Uma calça bege de algodão, bem leve, me deixaria mais cômodo durante o vôo.

Dessa vez deixaria o violão em casa. O remédio para todas as tristezas, ficaria muito grande em meio à bagagem de mão. Além do mais, não estavam previstas tristezas na viajem. Não sou tão forte. Em uma pequena cidade nos arredores de Brescia, norte da Itália, em um bairro popular, havia uma casa a cerca de cinco anos atrás e, nessa casa, uma garagem guardava uma bolsa negra. Dentro desta bolsa, me esperava, dormindo a cinco anos, um dos instrumentos mais fantásticos no qual já tive a chance de dedilhar. Um violão clássico, sem exageros estéticos, gigante em sua majestade, feito todo em pinho vermelho e ébano, da marca Alhambra. Um perfeito español, que gostava de vibrar cordas de tensão baixa, de timbres mais doces. Um cigano gentil.

Eu tentava afastar a saudade de um amigo com a de outro.

Em breve abraçaria meu pinho espanhol de novo. Ainda a pouco, saíra debaixo da sombra da quércia em Salvador.

Nahuel Caran
Enviado por Nahuel Caran em 29/11/2010
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