Amarelo Gelo - Capítulo 4
4.
Ela entra, mexe devagar, balança num ritmo gostoso. Sempre é esse encanto quando a vejo, pena que nem saiba que eu exista. Encosta ao meu lado no balcão, para me provocar, sem saber que o faz, pede uma dose de rum, sem nada, só a dose, estilo cowboy. A inclinação dela sobre o balcão é perfeita, a maneira como empina a bunda e deixa os seios repousarem sobre a mesa escura do bar. Me distraio olhando, fico cogitando e imaginando coisas, mas nada que eu possa fazer. Tão assídua quanto eu nesse boteco.
Um tapinha no meu ombro.
- Opa! Pensei que não ia chegar! Tava estranhando a demora.
- Você sabe que raramente me atraso, mas nesses dias nebulosos onde tudo é tão incerto tenho que tomar algumas medidas de segurança.
Olho para a figura, concordo com a cabeça, indicando também uma mesa nos fundos do salão, para evitar que nos avistem juntos.
- Mais uma dose! – falo para o garçom levantando o copo vazio – Trouxe o que te pedi?
A criatura olha para um lado e outro, limpa os lábios com um lenço tirando o excesso do suor. Nervosismo. Saca um envelope da mochila, me passa, tudo discretamente, por baixo da mesa. Ainda vejo uns garranchos indicando o remetente com um endereço quase oco de sentido.
- Foi a chuva que me pegou no meio do caminho, mas com um pouco de esforço você consegue ler. – deixa um sorriso amarelo escapar.
Coloco em minha pasta, continuamos conversando por mais trinta ou quarenta minutos, para dar uma falsa impressão que na verdade marcamos para tomar algumas cervejas e doses de cachaça. A figura vai embora apressadamente depois dessa enrolação toda. Uma curiosidade temerária se apossa de mim, mas aqui não é lugar. Não sei se a pessoa que me trouxe o envelope é digna de confiança, vai saber se ainda me observa ou me espera em alguma esquina dessas para dar o bote, acabar comigo. Bons informantes custam um preço muito alto, inclusive a traição.
Arriscar-se é o preço que se paga por informações importantes. Fico apenas observando a mulher adiante, a maneira como conversa distraída com o garçom, como ele deixa um palmo de língua de fora olhando o decote da danada. Se esses cachos caíssem em meu travesseiro com certeza hoje eu seria um homem feliz, mas não acontecerá. Abaixo a cabeça contando as doses, as cervas, o escurecimento gradual do bar no correr das horas. A chuva cai mais pesada. Pelo visto vou dar uma esticada aqui hoje. Nada mal com tão boa visão.
O álcool já quente em minha cabeça me impacienta. Essa porra de chuva que não passa. Guardo a pasta embaixo do casaco quente que nem o inferno, armo o guarda-chuva, me mando embaixo do pé d`água para o ponto de ônibus mais próximo. Andar bêbado na rua molhada é um desafio, pelo menos já são nove da noite, isso me livra de esbarrar nas pessoas. Por falar nisso que rua é essa? Merda! Me perdi de novo! Nisso que dá beber sozinho aqui no centro, essa imensa quantidade de ruas estreitas perto desses botecos me fodem. Senso de direção não é meu forte, nunca foi, depois de bicado aí já viu.
Vou tentar seguir os sons dos carros. Apuro os ouvidos, quebro numa esquina a esquerda e na outra a direita, os sons dos veículos mais próximos. Esquisito, nenhum ruído vem das ruas, nem passos, nem gatos e cachorros. Melhor me apressar. Alcanço a avenida rapidamente, para um bêbado claro. Fico no ponto, deserto. Uns moleques ao longe, provavelmente se abrigando da chuva, não é um dia bom para os trombadinhas.
Ligeiro subo no demorado transporte público, cobrador, motorista e eu. Mais ninguém. Sento nos fundos para ficar a vontade, olhar o envelope. As malditas letras terminaram de borrarem todas. Merda! Nem tenho como saber de onde veio, apenas para quem vai. Depois que digo que o diabo é corno ninguém acredita, até o conteúdo ficou ilegível, num sei se a umidade ou a água da chuva foram os responsáveis. Informante de corno! Depois pego aquele filho de uma puta e dou um cacete roliço nele pra aprender a trabalhar direito. Será que não foi de propósito?