Biografia Nonsense da Minha Prima
Dedicava-me com atenção ao corte das unhas dos pés quando o telefone toca. As possibilidades do telefone tocar eram 1) engano 2) cobrança e 3) ligação a cobrar de números que eu desconhecia e, portanto, fazia questão de esperar até o último segundo precedente do contato ser estabelecido para então colocar o fone no gancho. Mentira, é telefone sem fio, só que apertar o "off" não dá a elegante arrogância que uma batida do fone no aparelho dá, coisa que um muquinha merece, no mínimo. Era uma tal Mariana do banco que possuo conta. Não tinha nem meia hora que eu estava acordado e o mundo já queria me chatear. A ligação era de cobrança e não era pra mim. Opção 1 + Opção 2 = sorte no azar, de certa forma. Era para uma tal de Vanessa de Oliveira Silva. Um nome comum, comum demais. Informei a atendente que desconhecia tal pessoa. Ela perguntou se eu tinha certeza. Desliguei e voltei pro cortador de unhas. Vanessa era uma prima. Que não era bem uma prima. Crescemos juntos, de certa forma. A mãe dela era irmã do então namorado da minha mãe. Vanessa carrega no meio das pernas a primeira xoxota que bati o olho na vida. Lembro-me da surra que levamos por sermos pegos em flagrante na cama da mãe dela, pelados, se esfregando. Lembro da quentura do corpo dela, lembro vagamente do cheiro que saía daquela racha. Eu não sabia o que fazer, na época. Quem, com 7 anos de idade, sabe o que fazer com o pipi além de mijar? Ela devia saber o que fazer e foi me guiando até o que culminou numas cintadas no rabo. Tempo bom, que foi passando e fomos nos distanciando até não termos interesse nenhum um pelo outro, nem assunto, nem nada, nada, nem a menção de um ao outro como os primos que um dia fomos. Vanessa arranjava um bocado de problemas. Quando eu estava na quarta série, ela estava na oitava. Era do tipo popular, que anda com as amigas gostosas que os meninos da sexta série homenageiam com as primeiras punhetas. Eu não sabia o que era punheta na quarta série, mas me deliciava ao me pegar pensando em todas as amigas da Vanessa peladas lá em casa. Como eu dizia, ela arranjava um bocado de problemas. Tinha uma certa predileção por arranjar namoradinhos que a mãe dela julgava uns vagabundos. Oras! Certa vez, Vanessa foi surpreendida numa rua sem saída aos amassos com um 'vagabundo'. O padrasto dela flagrou a cena, correu pra casa, avisou a mãe e os dois subiram com uma Espada de São Jorge em mãos. Lembro dos gritos, lembro da Vanessa pedindo paz na vida, falando que se mandaria dali, que ela sentia amor pelo tal fulano e etc. Eu ficava triste, mas não conseguia segurar a risada vendo ela daquele tamanho apanhando. Por causa de homem. Eu não entendia de nada. Mais uma vez, o tempo passou e Vanessa sempre aparecia em casa com um namorado diferente. Seus peitos eram cobiçados por todos os meus amigos. Chamavam-me de "primo" na vila. Não sei muito sobre o que aconteceu na vida dela, que a fez de uma hora pra outra, se converter. Agora, uma nova Vanessa. Uma chata de plantão, assim como sua mãe também ficou após a conversão. Conheceu um rapaz que cantava na igreja. Era um missionário ou coisa do tipo. O infeliz era do nordeste e era famoso lá. Me deu um CD autografado e tudo. Cantava mal pra caralho, na realidade. Sua voz fanha era horrível, sua barriga protuberante na foto da capa do CD me causava engulhos. Vanessa era bonita demais pra ele e, certamente, merecia coisa melhor. Mas esse era um problema dela e eu pouco me importava. Ficaram noivos. Ela engravidou. Ela descobriu que ele tinha três filhos no nordeste e era casado. Ele se mandou pro nordeste e ninguém mais teve notícias. Pelo menos eu não tive. Não que me importasse, mas isso foi uma filha da putice das grandes, maldito crente cantozinho barriga de bosta desgraçado filho de uma puta hipócrita, tomara que esteja no oitavo círculo do inferno girando numa grelha com um tridente enfiado no rabo. Mas Vanessa deu a volta por cima. Sua mãe faleceu por problemas de saúde, meses depois de Vanessa ter se casado com um rapaz de aparência calma, sério. Metalúrgico, sei lá que diabos ele faz. Tiveram um filho juntos. Este rapaz, junto com Vanessa, estabeleceu a esperança naquele lar, pois a falecida deixou, além de Vanessa mais quatro filhos. Vanessa virou a proprietária da casa, o que vive lhe causando dor de cabeça pois seus dois irmãos, quatro e seis anos mais novos, vivem querendo botar ordem no barraco, reinvindicando os direitos de propriedade do terreno. E não trabalham. O marido da Vanessa sustenta os dois, que já são adultos, mais as duas irmãs mais novas de Vanessa, seu enteado e sua filha. Quando o telefone tocou e interrompeu um devaneio acerca do meu azar abrir as pernas pra qualquer oportunidade de me derrubar, eu fiquei meio irritado ao ver que a ligação era pra Vanessa. Porque ela só vem em casa pra pedir dinheiro emprestado, pra pedir o motor do liquidificador emprestado, pra usar a minha internet, pra usar o telefone, pra pedir açúcar, pão, leite, café, dinheiro e, durante o tempo que permanece aqui, descarrega todas as suas lamúrias e problemas em cima de uma pessoa que já vive sobrecarregada com seus próprios problemas e não procura ninguém para se lamuriar sobre. Falo da minha mãe, no caso. Cortando a unha do dedinho, tentei lembrar alguma boa utilidade de se ter um primo. Só apareciam pra pedir favores e reclamar de suas vidas enfadonhas e pra fazer fofoca sobre quem tá comendo quem na porcaria da igreja. Seria bom ter um primo morando no litoral ou mesmo no campo, pra passar as festas de fim de ano - já que aparentemente primos só servem para suprir determinados interesses. Os primos que tenho são novos e alheios à mim - lance recíproco. Bom, creio que isso não vai mudar. Vanessa continuará pedindo dinheiro e deitando no divã da minha casa e eu continuarei atendendo ligações de operadores de telemarketing desconfiados. Vou agüentar isso sem reclamar na porta da Vanessa, mas só por que ela fez com que eu conhecesse uma bucetinha antes mesmo de aprender a escrever. Valeu, prima!