Cléa, Edna e Rita
Da escola guardo dois momentos distintos e interligados que se referem ao estudo da língua portuguesa, às palavras: a primeira vez que amei a língua portuguesa foi estando na quinta série, na imagem da professora Cléa, a responsável pelo despertar e florescimento desse amor; a segunda, na oitava série. Era, então, aluna da professora Edna, que me ensinou os primeiros traços da literatura. Nessa época descobri, lendo os primeiros dez livros da coleção Para gostar de ler, da Editora Ática, que eu gostava realmente de mergulhar nos livros. As crônicas entraram em minha adolescência e com elas autores como Paulo Mendes Campos, Murilo Rubião, Carlos Drummond de Andrade e Rubem Braga.
Hoje, na faculdade, descobri Guimarães Rosa, e com ele, as inúmeras possibilidades da língua através da experimentação verbal presente em sua prosa.
A lembrança que guardo das escolas de minha infância e adolescência – situadas em cidades diferentes, em épocas diferentes – talvez seja uma imagem poética, mas uma imagem muito presentificada naquelas duas professoras. Foram elas – uma de Comunicação e Expressão e outra de Literatura – que me fizeram descobrir e cultivar uma relação tão intrínseca e ao mesmo tempo melíflua com as palavras, a língua e os livros. Narro experiências vividas em escolas públicas.
Não foi uma experiência traumática como a narrada por Fernando Sabino no texto A última flor do Lácio, nem uma experiência do misturar dos falares da canção Língua, de Caetano Veloso, mas foi a minha experiência. O contato positivo que guardo hoje comigo e pretendo levar adiante, na perspectiva ainda um tanto quanto verde do ser professora. No desejo de ser educadora, na extensão ampla e completa do que isso realmente significa.
Estou, como aluna do Curso de Letras, construindo conhecimentos em sala de aula. Conhecimentos que possam permear os caminhos futuros, na escola que todos querem. A escola que acolherá os professores que aqui se formarão.
E que não seja uma escola feita apenas de tijolos, material concreto. Que nela haja espaço não apenas para as regras da gramática normativa. Que esse espaço da linguagem seja preenchido pela interação entre alunos e professores, com contato variado da leitura, na representação do poema, da música e da experiência de vida que cada um traz em si.
Talvez eu consiga deixar na lembrança de algum aluno as imagens positivas das professoras Cléa e Edna sendo, amanhã, também a professora Rita.
Talvez seja preciso ler Guimarães Rosa para compreender que a língua portuguesa está muito além daquela encerrada nas páginas da gramática normativa.