DOIS JOÕES
Duas vidas se enlaçam e lançam no destino expectativas do rio chegar ao remanso e se fazer menino...
Dois joões que nem se conhecem, são pequeninos na vida a florescer
Um é espinho das ruas tumultuadas da cidade, temeridade de quem aprende a viver sem ter como nem porquê.
Outro é pétala suave, guardada nas redomas e nos cuidados do condomínio
Ruas rugem seus carros nas linhas do tempo, as buzinas
Entoam nomes sem rostos, nas canções do mundo: pobre João Rufino
Conhecido da esquina, chinelo de dedo, boné e bermudão
As unhas quebradas, sujas e roídas, cheias de graxa, jornal na mão
Enquanto isso brinca no pátio da escola fechada, menino loiro, olhos azuis, sorriso largo
João Pedro nem sabe quem é João Rufino, sobre sua vida ou seu encargo
Só pensa no programa preferido da TV, no videogame, no computador, na piscina do clube
Nem imagina a fome, o descaso ou as estórias tristes que assolam essa grande urbe
João Rufino sonha, “No amanhã um bom emprego me espera!”
Apenas quimera de um “Zé” sem alfabetização
Atravessa a rua, pobre menino, sandália gasta, sem um tostão
“Quem me dera um prato feito ou até mesmo um pedaço duro de pão”
João Pedro sentado à mesa remexe o prato, cata a comida e reclama
Chora sem motivo, quer catchup e batata-frita, “Nada de arroz e feijão!”
Birra sem lágrima, que aos pais abastados engana
Consegue seu intento, mais uma manha atendida do “Zé Chorão”
Ruas nuas, sujeira no asfalto, cachorro manco, pelado
- Deixa ele, é meu bicho de estimação!
Divide com o sarnento o resto da encardida marmita e o pequeno pedaço de pão
Na piscina do prédio nada João Pedro, “Que belo dia de sol!”, saboreia o sorvete
O rosto lambrecado de protetor solar inda contrasta com a pele branca
“Queria sair dessas grades, conhecer o mundo lá fora, romper essa tranca”
Lá fora torra João Rufino, o engraxate, a pele exposta queimando ao sol
Segue apressado (Ah, um cliente) por entre os carros sem direção
Só quer um trabalho honesto para não ser nesta cidade mais um ladrão
Alisa o poodle João Pedro sem saber a dor do outro João
Que anda sem rumo do outro lado da grade, obscenidade de uma política desigual
Dois joões de vidas diferentes, mas nenhum dos dois, nessa vida, quer se dar mal
Tempo passa, João Rufino implora uma vaga de Menor Aprendiz
Na porta da empresa, o gerente o enxota
- Se manca, vai procurar tua turma, preto infeliz!
João Pedro se destaca nas aulas de espanhol e de inglês
Aprende desenho, luta judô e faz natação
Suas notas altas são orgulho dos pais no boletim do fim do mês
A vida imprensa e João Rufino se rende às drogas
Entra no tráfico, rouba, mata e corre em fuga pelo asfalto
Saqueia a loja, rende gente no banco:
- Ei você, mané, quieto, é um assalto!
João Pedro, engenheiro, orgulho do pai, paixão da mãe
Sai apressado para mais um dia em seu escritório
Assovia alto, seu carro zero dirige sem preocupação
- Desce do carro! – grita Rufino, arma na mão
Pedro reage, bom lutador: - Não vou descer, maldito ladrão!
Os dois se embolam, João Pedro segura pro alto firme, as mãos do outro João
Rufino vence a luta, atira no Pedro, pega o carro, arranca em alta velocidade
- Eu sou o cara, perdeu, Mané, Vacilão!
Range o pneu, na avenida, lhe cerca a polícia
E no confronto, eis João Rufino, ensangüentado, estirado no chão
É madrugada, a vida não vale nada
Não existe mais, nem um nem o outro cidadão
Mortos os dois meninos, a cidade segue, é apenas mais um dia
Nessa urbe de disparidades, a sociedade sabe, mas fecha os olhos em letargia
E o policial guardando a arma, despreocupado diz:
- Deixa ele aí, era só mais um João!
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