Rio: há bala. São Paulo nos cala.
A gente escreve sobre tudo que sabe; sobre o que não sabe também a gente se atreve e escreve. A gente igualmente escreve sobre nossas dúvidas, nossas dívidas, nossas vidas.
Lá fora, há cenário de guerra no Rio de Janeiro. Cena bandida que se repete, balas perdidas que se repetem e a gente mais uma vez escreve, descreve, como que protegendo o Rio dessas mazelas, como que nos protegendo das favelas. Ah que saudades daquele Rio de Janeiro que continuava lindo. Que era não só de Janeiro, mas de fevereiro e de março. Alo, alô, Realengo, aquele abraço!
Lá fora os olhos da mídia nos mostram a paulista desvairada! De casa a gente assiste ao massacres de rapazes que tidos como diferentes, gays como se diz no português corrente, são massacrados com a lâmpada fluorescente. Luz da ignomínia que impera, da intolerância que viscera pelas mãos de jovens desvairados. Alguma coisa acontece no meu coração, no deles, não. No coração de SAMPA, pujante avenida se reveste em palco de inanição e escárnio: drogas humanas espalhadas pela avenida dão mal exemplo. No Rio de Janeiro, mais escárnio do que inanição. Há drogas escondidas na avenida; em São Paulo, a cavalo ou a pé, drogas travestidas de gente perambulam em busca de vítima fácil, doce, contraditando a vida difícil e amarga de moçoilos que se perdem na imensidão da liberdade consentida pela família. Cenas de sangue num bar da Avenida São João. Copacabana, princesinha do mar, hoje plebéia do ar poluído de crack, da marijuana que impera em lindos sonhos dourados. Cenas de sangue nos mares da incompetência do governo, da ingerência enferma dos incultos, dos astutos, dos putos a perambular.
Lá dentro as balas não se perdem. Na avenida, abalos se atrevem entre o certo e o errado; entre o sol e o nevado; entre a tara e o tarado; entre o basto e bastado; entre o besta e o “abestado”. Cristo Redentor braços abertos sobre a Guanabara, tomara os céus te sirvam de consolo! Carlos Drummond sentado na Avenida Atlântica, por certo fará uma crônica grave acerca do mundo que lhe foi seu por conseqüência... Coincidência da vida bandida que é mais bandida do que vida e que, virada não volta jamais para a banda original do amor.
Lá fora a gente vê balas voando
Lá fora a gente vê balas se achando no corpo da gente
Lá fora a gente sente que nem tudo é bom-bom
Lá dentro a gente vê que nem tudo é som
Lá dentro a gente vê que nem tudo é bom
No meio a gente vê a pedra
Na pedra a gente perde o caminho
No caminho a gente encontra a bala
Na bala a gente cala sozinho
Sozinho a gente morre
Sozinho quem te socorre?
Ah, meu Rio, sinto frio de teu torpor!
Ah, Paulista, sinto falta do teu calor!
Dos Anjos, Augusto me ajude ascender
Por que da boca que se escarra também se beija
Por que de amor para entender? – Eu preciso amar! E no amor espalhar todas as sementes pelas calçadas de Copa, Ipanema, Leblon, Paulista, São João, Ipiranga... Embora distante daqui – de Boa Viagem no meu Recife, desejo e dedico amor. Recito verbo amar. Receito amor e mar. Ludifico almas gêmeas do amor louco que supera a intolerância dos amores diferentes. Unifico raças, retifico-me: que graça tem um mundo de iguais? Iguais no amor é perfeito. Diferentes na forma, posto que se a casa do “Pai” tem várias moradas e Ele é o dono do amor, que torpor há nas diferentes formas do amor se fincar? Toda forma de amor vale a pena, bastando que a "alma não seja pequena". Há balas no trajeto da Igreja da Penha. Luiz Gonzaga me socorra com seu baião suplicante à Santa:
Demonstrando a minha fé
Vou subir a Penha a pé
Pra fazer minha oração
Vou pedir à padroeira
Numa prece verdadeira
Que proteja o meu baião
Penha! Penha!
Eu vim aqui me ajoelhar
Venha, venha,
Trazer paz para o meu lar.
Nossa Senhora da Penha
Minha voz talvez não tenha
O poder de te exaltar
Mas de bênção padroeira
Pressa gente brasileira
Que quer paz pra trabalhar
Penha, Penha
Eu vim aqui me ajoelhar
Venha, Venha
Trazer paz para o meu lar (2X)
............................................
Lá dentro a gente se guarda
Lá fora a gente vê tevê...
Há soldados fardados subindo e descendo... “Há soldados armados, amados ou não, somos todos iguais, braços dados ou não”... Nos quartéis ainda lhes ensinam antigas lições? Perdões aos pés da santa, santa-nás não serás nos porões da vida que te faz bandida...
3D, na minha Led, a bala sai fina
Cristalina odisséia de vida honrosa
De quem mora numa cidade sonho
Outrora maravilhosa...
Noel, cadê a Rosa?
Drummond, cadê tua prosa?
Balas, por que não viras bombons de chocolate?