CRÔNICA – Fatalidade!


CRÔNICA – FATALIDADE! – ESCRITA EM 25.11.2010

            Na missa de trigésimo dia da partida de meu irmão José, 22 próximo passado, rodou pela minha cabeça uma espécie de filme doloroso com os fatos que ocorreram durante sua internação. E isso foi avivando quando a minha mulher começou a ler uma prosa poética que retrata um sonho que tive com meu prezado mano. Aquela igrejinha repleta de amigos vivenciou tudo, numa solidariedade sem par. Não pude conter as lágrimas, e a emoção tomou conta de mim... sou assim mesmo, emoção à flor da pele.

            Cerimônia emocionante. Meu filho mais novo, que é odontólogo dos bons nas horas vagas, com o seu saxofone tocou músicas suaves e aconchegantes, que tornaram aqueles momentos inesquecíveis. Confesso que fiquei surpreso com tanta desenvoltura do menino...

            Prosseguindo com o José: Numa primeira visita que lhe fiz durante a doença coronariana, passando por cima de ordens médicas e da vigilância das enfermeiras, conversava eu, a sua esposa e ele no quarto do hospital:

Eu: Por que vocês escolheram essa casa de saúde minha gente?

Ela: Porque é muito bom, atende bem...

Eu: Mas foi aqui que meu irmão mais novo faleceu sem que nem pra que, assim de repente e até hoje não sei qual o mal que o acometera!

Ele: Eu não quero ser operado, pois não estou sentindo dores (isso certamente era fruto de sua experiência no ramo farmacêutico, em contato sempre com pessoas da área da saúde, ou, quem sabe um aviso...).

Ela: Mas o médico disse que se não operasse correria o perigo de maiores complicações, até fatais...

Eu: Se há esse perigo, meu caro, o melhor é fazer a cirurgia; ninguém quer perdê-lo. Lembre-se de que sou safenado e estou numa boa...

Ele: Balançou a cabeça, meio amargurado, e ficou de pensar.

Ela: Também acho meu filho, isso é pra seu bem; a equipe médica disse que vai fazer o melhor...

Eu: Do que resolverem me comuniquem, por favor.

            Fui embora.  Doba, seu apelido, concordara com o procedimento cirúrgico. Mais uns dez dias de hospital, em quarentena, sem que o seu Plano de Saúde quisesse dar a autorização para a cirurgia, que era de alto risco; não poderia ser feita através de cateter, haveria de se proceder com um corte, na base do bisturi.

            Voltei ao hospital, indaguei dele se queria algum procedimento jurídico para forçar a anuência da empresa, todavia ele (que estava ali sem aquela segurança de que daria tudo certo) me falou que não precisava, pois certamente tudo seria resolvido... Não haveria por que negar-se tal despesa, pois estava com seus pagamentos em dia.

            Cirurgia marcada, não pude chegar antes do procedimento, porquanto o trânsito aqui em Recife está caótico, há muito carro pra poucas vias; a indústria automobilística faturou demasiadamente com as isenções, prazo grande e juros relativamente baixos no crédito para aquisição de veículos.

            Desse dia em diante, para tristeza de todos, nunca mais meu irmão acordara, em estado de coma; fizeram uma espécie de parede para que eu não soubesse de coisa alguma, com medo de que eu viesse a sofrer um novo infarto do miocárdio.

            Impaciente, liguei várias vezes para saber notícias, mas nada de novidades; insisti tanto, até que a Dolores, sua mulher, que não o deixara sozinho um minuto sequer, me contara que ele estava melhor, mas teria de amputar suas pernas, eis que gangrenaram, talvez por falta de movimento. – Como que está melhor se vão retirar seus membros, falara eu desesperado. – Tonho, tenha calma, vai sair tudo bem, Deus é Pai, dissera ela. – Eu vou aí para vê-lo, ajude-me por favor. – Mas você não poderá entrar, ele vai sair dessa, espere o momento oportuno...

            No dia seguinte ele desencarnou. Uma nuvem de desesperança se abateu sobre mim; a revolta tomou conta de meu coração; não sou de odiar, entretanto confesso que naqueles dias eu detestei até a mim mesmo; senti-me culpado por tudo; pedi perdão a Deus por me haver intrometido numa decisão meramente pessoal. Daquele dia em diante meu coração ficou descompassado, as doses de remédio foram modificadas para mais, aí endoidou tudo, parecendo-me ter voltado aos piores dias de minha vida... as caminhadas foram suspensas.

            Neste momento, retorno do médico. Alterações substanciais nos exames. Tudo indica uma nova cirurgia em janeiro terei de enfrentar. Não sei se vou autorizá-la, quem sabe apele para o tempo residual. Nada poderei fazer se for um chamamento Superior ou dele para um reencontro em outra dimensão, que eu atenderia sem pestanejar.

Em revisão.

ansilgus
Enviado por ansilgus em 25/11/2010
Reeditado em 26/11/2010
Código do texto: T2636666
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