Pós-tradicionalismo

Uma tentativa de envolver o homem gaúcho do campo numa atmosfera cultural dominante, diante do seu fracasso nos centros urbanos, tem produzido tentativas desesperadas de fantasiosa especulação; basicamente por parte dos intelectuais mais afinados com esse fenômeno no interior do estado. É o gaúcho em sua prória caricatura no desenvolvimento do pós-tradicionalismo. O movimento tradicionalista acima de qualquer suspeita teve seu momento de glória por ter sido fenômeno de mídia com apoio das estruturas comerciais, interessadas em divulgar algum acontecimento que definisse maior altruísmo possível ao mercado. Não pensem os senhores que estou desfazendo do gaúcho em suas potencialidades naturais, oponho-me ao artificilialismo adotado como vertigem, para contexto de alienação. A natureza desse estereótipo na qual a rigidez descambou para incapacidade de contenção do sincretismo, manteve-se fortalecido pelo impulso sem essência, meramente imitativo de transmissão quase espiritualista; sendo acontecimento de cunho terrenal. O que temos hoje é o fandango (de natural linhagem açoriana) da guitarra, bombacha de tênis e o cavalo de sinuelo, além de outras milongas mais.

O primeiro gaúcho

...Mas é no interior urbano que se acentua o desejo de identidade pura, baseada no inventário empoeirado do passado festejado pura e simplesmente como glória sem dor nem sangue, quase sempre de ordem elitista; dos casarões e do patronato. Fala-se em tom discreto numa tese esposada por alguns incautos novelistas brejeiros como tendo sido aqui, neste solo de palmeiras devastadas pela monocultura; terra de Santa Vitória do Palmar, o lugar exato onde o “primeiro gaúcho” teria surgido na terra. Teria pulado da caravela naufragada de Martim Afonso de Souza. Encontrado prazenteiramente as mais lindas criaturas femininas para cruzamento definitivo. Como se a caravela naufragada notabilizasse advertência ao futuro, relatando aos pósteros: “naufraguei aqui!” . O mesmo se dá no que diz respeito ao município ter sido o ambiente geográfico exclusivo para a existência dos famosos Campos Neutrais. Identidade única e expressiva, persuasiva de todos os demais fatores concorrentes desse fenômeno geopolitico, com os preceitos dos tratados de época. Tais certezas se firmam na austeridade lógica das definições coronelistas, que raramente se ajustam ao campo da crítica construtiva; para alardear de peito aberto a própria certeza implacável, graças ao rugido volátil dos arranjos de identidade. O homem interiorano vive sem abordagem crítica dos próprios valores intelectuais, pois tem pela frente um cenário grandioso para especular em primeiro plano. É o engano de sua própria distração que o isola, permanecendo sobre tal uma atitude de sonho para atmosfera de lirismo. Uma neblina aonde deveria resistir a serena análise dos conteúdos a serem fixados. Resta o ceticismo vazio e a ilusão de ser primeiro, destacado, incomensurável; até no que diz respeito a repetição simples do seu modo de ser. Ambiente onde toda criatividade é sacrificada como desinteressante, e toda produção humilde aplaudida como obra de arte. Todo exame apurado rejeitado para evitar a meritrocracia no mais pleno provincianismo comum de hábito e administração.

A história ganha ares de sonho e psicologismo. O gaúcho verdadeiro sempre foi e sempre será o homem brasileiro com seu sincretismo apurado. Com nítido olhar de um Dyonélio Machado, a fineza poética de Álvaro Moreyra, a verve humorística de combate a hipocrisia de Aparício Torelly, além de grandes nomes pouco festejados pela intensa disciplina tradicionalista de ocasião na cidade.

O gaúcho é um templo robusto na alma calada do homem rio-grandense dentro ou fora do campo. O que lhe dá a disciplina e o engenho de Vargas. Jamais a invencionice de mistificadores rebeldes. Verdadeiros poetas sem obra, mas plenos de sua elegante elegia.

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