A MUTAÇÃO
Quando a conheci tinha a cabeça cheia de planos, projetos no papel e a tola certeza de que desta vez daria certo...
Eu olhava para o nada e , quando percebi, estava ela em minha frente.
Palavras se fizeram com o intento de mostrar o melhor de cada um de nós. Você é linda, etc. e tal, signos, viagens astrais e rodoviárias; enfim abri meu livro para alguém talvez nem gostasse de ler.
Ela era bela e enigmática, muito prá minha matemática. Uma equação complicada, uma charada não equacionada...
Ela conquistou espaços, preencheu vazios, e aos poucos o seu costume se instalou. Era a vida me pregando uma peça. Ficamos ás vezes com alguém que no fundo nem nos interessa. O hábito torna-se tão visceral que pensamos estar bem, convivendo com o próprio mal.
E a mutação começou...só comida integral pois a outra lhe faz mal, drinks nem pensar pois o alcool lhe faz desabar. Fui remodelado, vestido e perfumado para ser alguém a altura de estar ao seu lado.
Os amigos, pedaços do passado, algo para ser sepultado e, na lápide de "aqui jaz", vão junto meu jazz, meus blues e todas as músicas que escrevi e nunca cheguei a cantar.
Frequentei lugares superlotados, enfumaçados, todos com nomes importados, deixando prá trás o boteco Brasil.
Minha essência se transformou e com ela o meu corpo. Eu era plena mutação. Havia ficado igual a ela, rosto , boca, cabelo e até, pasmem, seios. Eu era literalmente ela.
Quando ela enxergou em mim seu exato reflexo, não suportou, foi embora e nunca mais apareceu. Não conseguiu conviver consigo mesma; uma de si já era demais para ela. Ao partir deixou em seu lugar a desestrutura, a solidão, e eu não encontrava uma solução para todo o meu soluçar. Todo poeta precisa de uma musa, embora as vezes figura tão confusa. Mas o tempo, senhor de todas as mudanças juntou meus pedaços e começou minha reconstrução. Eu nunca mais seria o mesmo, descobri que não precisava mudar para agradar, podia sentir e amar sem me transformar.
E agora eis-me aqui andando pela rua, independente, mas na dependência de apenas uma dúvida equacionar. Dúvida esta que me assola nestas noites em que todo o mundo parece ter saído de casa, todos á deriva, todos na vitrine, enquanto as sessões de cinema se abraçam na saída...rostos, faces, caras e bocas.
Recordo o tempo em que havia sido ela e me pergunto:
E se eu tivesse engravidado???