OS NOSSOS DOIDOS
Minha cidade natal é uma cidade como tantas outras do interior: cheias de histórias marcantes e enfeitadas com “causos” vividos por moradores de várias gerações. Lá eu vivi boa parte de minha juventude entre loucuras infantis e medos gerados pelas “loucas figuras” que percorriam suas ruas e que faziam parte de nosso dia-a-dia.
“De médico e de louco, todos temos um pouco”, e era assim! Costumávamos (eu e amigos da mesma idade) “roubar” cavalos dos feirantes que os deixavam amarrados próximos à nossa casa. Tinha um certo homem que era dado como doido e ele sempre deixava seu cavalo bem à vontade, amarrado a uma cerca e se metia em qualquer boteco a procura de uns goles... Não dava outra: pegávamos esse pangaré e em dupla o montávamos e ficávamos passeando pelas ruas intermediárias. Era uma sensação de contentamento e medo, porque geralmente, na volta, o maluco estava a esperar com um galho na mão para acertar contas com quem teve o atrevimento de mexer no que era seu... Saltávamos do pangaré a certa distância, rindo muito, e saíamos correndo com o “doido” no nosso encalço.
Esses personagens sempre estiveram em nossas vidas, como o bom e velho louco (que não fazia mal a ninguém) PISCA, apelido esse que ganhou por piscar muito quando conversava ao contar de sua vida...
Pisca era um homem muito alto, forte e vivia de cara “cheia”. Todos diziam que era maluco, mas era do tipo “maluco beleza” que não fazia mal a ninguém. Tinha mania de dizer que era pai de uma grande atriz, que fazia a novela “O Machão”, na época, com Antônio Fagundes. Vivia fantasiando sobre sua suposta filha e o sucesso que ela fazia nas novelas.
Ai daquele que dizia que não era verdadeira a sua história. Poucos desmentiam, pois ninguém tinha coragem de encarar o maluco ou sentir o peso de sua mão. Melhor concordar com ele quando dizia que a filha foi procurar um melhor destino pra sua vida, mesmo tendo que deixar seu velho pai pra trás. Pisca quando passava assustava a criançada com o seu gingado meio bêbado e meio “pinel” de ser. Quando alguém desobedecia aos pais, era intimado com a possível presença de Pisca... Ele era um daqueles “loucos” que deixava sua marca onde passava e que até hoje, faz- nos lembrar de como vivemos bons tempos. Essas são algumas das figuras que tanto nos assombravam na infância.
(NUBIA CARDOSO)