JOÃOZINHO
1975. Os quatro alunos de Psicologia da UNICAP faziam um trabalho sobre João Cabral de Mello Neto para a cadeira de Português. Para dar um toque a mais no trabalho sobre a obra, resolveram tentar conseguir uma entrevista com um irmão do poeta, que dirigia uma financeira no centro da cidade. Com a cara e a coragem que só os jovens têm, partiram para o escritório do possível entrevistado, numa manhã de sábado, sem sequer saber se ele estaria lá. A secretária ficou surpresa com a visita inesperada e mandou que os jovens ‘aguardassem’, prenúncio do longo “chá de cadeira” que viria.
Mais de uma hora se passou e o executivo continuava “ocupado” ou “em reunião”.
A sala de espera foi aberta, nesse momento, e entrou um senhor idoso, de cabelos brancos, que perguntou pelo executivo e recebeu da recepcionista o mesmo comando de “aguardar”, espécie de mantra repetido infinitamente por todas as atendentes e recepcionistas deste vasto mundo.
O recém-chegado tirou o chapéu panamá branco e sentou no sofá, próximo ao outro, que era ocupado pelos quatro jovens universitários. Era de estatura mediana, branco e corado. Vestia terno azul marinho simples, com camisa branca e gravatinha borboleta. Tinha expressão afável e calma. Olhou os jovens com simpatia e puxou assunto:
- “Estão aguardando Fulano?”
Um dos jovens respondeu que sim e contou a razão de estarem ali, porque, a julgar pela familiaridade com que o senhor dissera o nome do executivo, quem sabe não seria um velho amigo dele, capaz de abreviar a espera que já era longa.
-“Ah, vocês querem saber alguma coisa sobre Joãozinho? Podem falar comigo, sou o pai dele!”
Os jovens não esperavam por tamanha sorte. Apresentaram-se, então, dizendo seus nomes. O senhor Luis apertou a mão de todos, com seu sorriso simpático. Durante os próximos vinte ou trinta minutos falou sobre o menino “Joãozinho”, calado e tímido, que passava horas do dia sentado num dos mourões da porteira do engenho em que nascera, vendo o vai-e-vem de trabalhadores e carros de boi. Contou suas travessuras de menino criado ao ar livre e seu precoce amor aos livros e às palavras escritas. Aos oito ou nove anos, foi morar no Recife, passando sempre fins-de-semana e férias no engenho. Aos domingos, quando o administrador do engenho ia à feira, o menino João lhe dava dinheiro para comprar os livrinhos de cordel, populares no Nordeste. À tarde, ele sentava com os trabalhadores do engenho ao redor e lia vários desses livrinhos para eles.
O senhor Luís só foi interrompido pela secretária avisando que seu filho executivo iria recebê-lo em seguida.
Quanto aos jovens, pedia desculpas, mas, infelizmente, ele não teria tempo de atendê-los. Quem sabe num outro dia.
Mas isso não tinha mais importância para eles, supridos pela fala mansa e risonha de Luis Antônio Cabral de Mello, pai do grande poeta pernambucano João Cabral de Mello Neto.