Fogo Abrasador

Imagine que o seu celular toca e do outro lado da linha uma voz maravilhosa diz:

– Alô.

Você respira ofegante e percebe que suas preces, parecem estar sendo atendidas. A voz que vem pelas ondas é da sua musa inspiradora. Aquela por quem você vive e para quem você dedica todos os seus pensamenetos e projetos. Do mais singelo ao mais ousado.

– Alô, Gizele?!

– Oi, Alf. Recebi seu e-mail e fiquei surpresa. Mas quero sair com você, sim.

Você pula de alegria, agradece aos céus, beija sua mãe, seu pai e chama sua irmã mais nova de docinho, mesmo sabendo que ela coneguiu destruir o seu CD do U2 que você mais curtia. Não importa e o cão vira-lata da sua casa passou a ser o seu grande amigo. Até nele você tascou um beijo.

No dia do encontro, vocês só falaram amenidades e você se declarou. Ela prometeu pensar, mas depois dessa primeira vez outras trinta surgiram e você ficou preocupado, porque ela nunca te deu uma posição sobre um futuro relacionamento. Cartão de crédito e cheque especial já estavam nas últimas e o banco tinha ligado falando do risco. No seus botões enervados você já estava pensando em desistir.

– Oi Alf, sou eu, Gi.

– Oi linda, e aí quais as novas?

– Vamos pegar um cineminha, dançar e curtir um pouco a vida?

– Vamos. Respondeu verificando as contas.

– Você não vai se arrepender.

“Foda-se as contas, me arrombo no cheque especial e no cartão, mas vou sair com minha deusa.” Pensou assim, desligou o telefone e foi se preparar para o grande momento. Pegou a amada às dez horas e depois de R$ 80,00 de cinema, mais R$ 125,00 de sanduiches, sucos, refrigerantes e cervejas e mais R$ 30,00 na danceteria tudo que você quer é um fim de noite no motel. Dito e feito. Era a última e mais gratificante das contas que você iria pagar. Nada de tão alto, já que você queria o melhor para a sua amada.

Ligou ao motel mais caro da cidade e pediu uma suite completamente preparada para a noite de amor, afinal era o encontro entre uma deusa grega e um plebeu que estava realizando um sonho. Nada de grave, a conta da suite ficou em R$ 650,00 mais despesas de consumo. Para uma fim de noite de sonhos até que ficou bem barato e você sabe que pode parcelar em dez vezes, no cartão, sem juros. Assim o fez.

O relógio do carrro, um Fiat Uno 2007, preto e com rodas de liga leve, avaliado em R$ 14.000,00, batia três da madrugada. Parou o possante e carregou a amada nos braços. Colocou-a na cama como se fosse um bibelô de porcelana e lentamente iniciou o processo de preliminares. Um beijo aqui, outro acolá. Um toque mais sutil entre as pernas, um afago mais forte e uma chupada de língua.

As carícias foram aumentando e a luz das velas davam um tom especial. O quarto era todo revestido de cortinas de seda, com um teto recheado de bugingangas e pequenas caixas de som para um "soundround" mais autêntico. Nas paredes, quadros de artistas da cidade, já renomados, davam um ar de coisa intelectualizada. O quarto era bem decorado e muito amplo. Tinha também um frigobar e uma mini adega, uma pequena piscina de água quente e uma hidro de última geração. Você deve ter pensando: “Porra eu só quero dar uma. Tudo bem que um pouco de conforto??, mas isso aqui já muita frescura”.

Perdeu-se nos pensamentos e nas carícias e no ápice do fogo do amor sua amada dá um pulo, tenta empurrá-lo para sair de cima dela e começa a espernear ao que você a estoca com mais força e mais empolgação.

– Isso, mexe. Vem, vem comigo.

Ela chuta, esperneia, tenta sair, te segura, tenta gritar, você a sufoca com beijos, ela insiste, você segura, ela te chuta o saco...

– Fogo!

Aí você cai de lado...

– Eu sei, eu sei que estávamos quase pegando fogo.

– Não, o quarto está pegando fogo. - Você então se deu conta de que as velas decorativas foram empurradas com seu pé ao fazer movimentos intensos e essas pegaram as cortinas e as labaredas já anunciavam uma tragédia. As atendentes do motel já estavam em pânico bantendo na porta e as luminárais começaram a explodir devido ao calor e aos curtos circuitos.

– Fodeu.

– Fodi nada, fodi nada.

– Não, fodeu. Você terá de pagar tudo isso. - Repetiu a deusa já procurando suas roupas para se compor e esperar a chegada dos bombeiros.

A noite acabou ali. Uma foda pela metade. Um carro pendurado em dívidas e ainda uma conta grande no cartão de crédito. Você saiu vestido com uma roupa de alumínio dos bombeiros e ela, a sua musa inspiradora, estava desolada. Enquanto iam para a ambulância era possível ouvir risinhos e comentários maldosos. O mais cruel era:

– Esses aí literalmente pegaram fogo.

VALBER DINIZ
Enviado por VALBER DINIZ em 23/11/2010
Reeditado em 12/05/2011
Código do texto: T2632561
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