TUDO DEPENDE DO ESTADO DE ESPÍRITO

Há dias em que as coisas não parecem ser como são ou como deveriam ser. São dias, como costuma-se dizer, em que "acordamos com o pé esquerdo". Ao abrirmos os olhos, deparamo-nos com a nossa companheira esparramada ao nosso lado. Os cabelos em desalinho, nenhuma pintura, um pouco de baba escorrendo no canto da boca. É uma coisa nojenta, a tirar pelo gosto de lata velha em minha própria boca que, certamente, não está em melhores condições. Sinceramente, é uma situação não muito agradável. Mas, afinal, vencemos mais uma noite e mais um dia se nos apresenta com todas as suas expectativas. Levanto-me com dificuldades, pois sinto algumas dores lombares. É o danado do colchão. Não há jeito que dê jeito, o desgraçado continua fazendo das suas com a minha coluna. Olho pela vidraça, o sol parece brilhar, mas na minha vista ainda turva, parece opaco, sem vida.

É, há dias assim. E o pior de tudo é que não temos uma explicação racional para esse estado de espírito. Sim, porque tudo é belo para quem está de bem com a vida e com seu fígado.

Paro e reflito. Não existe qualquer razão, pelo menos aparente, para que eu veja o dia tão cinzento, tão sem graça.

A mulher, coitada, completamente alheia aos sentimentos que invadem a minh'alma, cuida do desjejum, silenciosa e prestativa. Agora, de rosto lavado, mas sem pintura, sua aparência está muito melhor. Olho-a e fico a pensar: esta é a mulher que embalou meus sonhos de juventude. Como era linda! Ah, tempo implacável, por que foste tão cruel com ela? Suas marcas estão acentuadas por todo o seu corpo. Passaste sobre ela como um vendaval, deixando marcas de destruição. Mas, nem tudo está perdido. Ainda se percebe uma luz em seu olhar. Seu olhar, embora não seja o mesmo, pois o contorno dos olhos mudou muito com a ação do tempo. Seus olhos, no entanto, não perderam a candura. A serenidade. Fico comovido e envergonhado pelos sentimentos tão pouco alimentados. Perdão, meu amor. A força inexorável do tempo não perdoa a ninguém. Eu que o diga, pois muitas vezes não me reconheço no espelho. Não acredito que estou preso a essa carcaça velha que ele reflete.

Após o desjejum, com o estômago "forrado", as coisas parecem melhorar um pouco. Uma réstia de sol cai sobre a mesa, como a pedir a minha atenção. Olho para a janela e vejo o fulgor do astro rei que se levanta com toda a sua força e majestade. Ao que parece, o dia não está tão feio como imaginei a princípio. Vejo as primeiras notícias na televisão, mas logo desligo, pois nenhuma delas contribui para melhorar o meu estado de ânimo. De repente, uma vozinha, ainda ao longe, chama a minha atenção. Meu coração salta de alegria. Tomei um susto, pois ele estava tão quieto, tão desanimado, a ponto de só bater para manter-me em pé com as minhas dores. Era a minha netinha Isabeli. A alegria da nossa casa e o bálsamo para todas as minhas dores e preocupações. Ela é matreira, ardilosa. Há muito que descobriu o modo de me dobrar, de submeter-me a seus caprichos. Criaturinha tinhosa que ela é. Como um raio de sol, ela iluminou a minha vida. O desânimo se foi e eu passei a perceber que tudo à minha volta era belo. Só meus olhos não queriam ver. E agora, com um novo ânimo, saí para a lida, com grande entusiasmo. A vida é assim.

Nov/2010.