Nordestino sim, e daí?
Sou nordestino, sim senhor, e daí?
Do coração dessa terra chamada Brasil, das bandas onde o sol nasce mais amarelo, sorridente e feliz. Da parte da canção que pede para que se prepare o coração para as coisas que serão contadas, do riso solto, do trabalho no cabo da enxada, do capinar o mato e da cana de açúcar.
Aqui temos o clássico Luis Gonzaga, um rei, o rei do baião, já pensou? Um homem simples, de origem simples que entrou para a história como criador de uma cultura própria, pode? Não por mandos e desmandos, mas porque soube sentir e cantar a alma de um povo, sabe como é? Diante de tamanha simplicidade fazer versos, tipo: "...quando os verdes dos seus óios, se espalhar na plantação", gente do céu, o nordestino que faz poesia das coisa simples da vida...
É pouco? Por aqui também nasceu a profecia baiana que diz:..."se plantando, tudo dá...", e deu, da terra árida, nasceu o Patativa do Assaré, lá do Ceará, com ele a força do homem que mesmo analfabeto, fez versos, versificou a vida de maneria tal que hoje é objeto de estudo dos franceses e até hoje faz ressoar seu pedido de licença:" Seu dotô me dê licença, pra minha istória contar...", contou, fez história e é história, lá do lado de lá, junto com o Câmara Cascudo, sabe quem é? Não? O príncipe do Tirol, lá de Natal, no Rio Grande do Norte. Esse cascudo não dói, não dói de jeito nenhum. É um Cascudo que da janela da casa vê os gestou, os costumes, as tradições e as crendices de um povo cheio de coragem e raça para viver e vai, de mangas arregaçadas, registrar os aboios, as cantigas, a culinária, toda essência da alma de seres que vivem e merecem respeito, muito respeito...
Sou da terra dos caboclos de lança do maracatu, da ciranda da Lia lá da ilha de Itamaracá, do xaxado cangaceiro da Paraiba e da coragem dos cabras da peste. Carrego no lombo todos os tombos dos heróis do sertão, dos jagunços, vaqueiros e cangaceriros... E quem nunca houviu falar do Virgulino Ferreira da Silva e as histórias de todas as botijas escondidas nas sete encruzilhadas nessas terras de meu Deus?
Por aqui tem a tradição da hora do Anjo e ainda, em alguns focos, as famílias se reunem, as seis horas, na boca da noite e de joelhos rezam a virgem mãe de Deus. Depois de dia cansado de trabalho, de labuta e muita esperança de dias melhores, ainda encontram força, resistência e gratidão para agradecer aos céus por tudo conseguido naquele dia. Por aqui, a primeira mulher a votar na América latina, a profesora Celina Guimarães Viana, além de ter também a feminista Nísia Floresta Brasileira Augusta.
Sou do nordeste do frevo, do carnaval, do candomblé, da quermesse, do sicretismo religioso, da mistura dos povos, das raças, lágrimas, música e libertação...
Por aqui nasceu Zumbi e mãe menininha do Gatoa, o quilombo dos Palmares e todo axé na Bahia, os sinais de elevação e liberdade: José de alencar, Jorge amado, Raquel de Queiroz, Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto e sua poesia metalinguítica, o verso racional, feito a duras penas.
Salvo o Chico Science e todo o movimento do mangue, o Chico César e toda inovação e todo estilo de música que se tornou universal. O semba que deu samba nas casas das tias no Rio de janeiro, a capoeira que fez no corpo do negro uma nova linguagem vibrante, sensual, viril e toda a corte da religiosidade nos festejos juninos.
Vivas ao grande mestre Paulo Freite e toda pedagogia da autonomia gestada no útero social desse povo que sempre acredita na sorte de dias melhores. O grande educador das dores, dos sabores, da degustação de uma educação para a libertação do ser sujeito da própria história...
Do nordeste do boi bumbá do Maranhão.
Da riqueza do sal e de toda produção agricola aqui em desenvolvimento: do caju, da mandioca, do melão...
Sou dessa terra esquecida e saqueada pelos meios de comunicação que vendem uma imagem nossa deturpada, feia, agressiva. Faz de nós trampolins para interesses particulares, menores, torpes. De um chão cheio de diversidades sócio-históricas e culturais porque nossos interesses estão nas mãos de homens, por homens e pelos homens que traem a si mesmos, quem nos manipulam como marionetes e não defendem nossos interesses como deviam.
Do Nordeste do Menino de Engenho, de Vidas Secas, do Maluco Beleza, do Chão de Giz, da Tesoura do Destino, da Cajuína...
Do lugar que deu ao Brasil o operário que se tornou presidente e fez o país erradicar a pobreza e ser visto por outra ótica no mundo estrangeiro.