O mundo de Danny
Capítulo 1 – Fritz, certo?
Era um daqueles dias que podemos chamar de comuns. O vento soprava, pássaros cantavam e heróis salvavam donzelas em perigo de prédios em chamas. Não necessariamente donzelas, o termo correto seria entregador de pizza, e o herói, bem, esse era realmente um herói. Com capa, e tudo mais.
Fritz era um cara normal. Tirando o fato de que ele também era um super-herói e voava por aí salvando a vida das pessoas. Começou nesse ramo quando descobriu que um de seus diversos talentos era, além de conseguir equilibrar azeitonas no nariz e arrotar o alfabeto inteiro, de trás pra frente, voar. Sim, Fritz era um cara que sabia como voar. Ele conta que da primeira vez que percebeu que estava flutuando, levou alguns minutos para entender que estava flutuando de verdade, e não havia abusado da bebida. Na ocasião, ele se lembra de ter tido uma conversa com seu melhor amigo, Lary, explicando o que havia acabado de acontecer:
- Lary, cara, hey, estava dormindo? – Fritz na realidade não se importava se acordara seu amigo ou não, apenas gostava de esclarecer as coisas.
- Não, só desmaiado no chão da cozinha. O que tá pegando? – Sua voz realmente parecia a de alguém que estava desmaiado a horas no chão de uma cozinha.
- Você não vai acreditar no que acabou de me acontecer.
- Aposto que vou.
- Eu acabei de voar. – Enquanto dizia isso, tentava permanecer alguns centímetros do chão novamente, improvisando pequenos pulos e se perguntando como conseguira fazê-lo da primeira vez.
- Você bebeu demais. Deveria ter desmaiado, acordaria muito melhor.
- É sério, vem pra cá que eu te mostro, tô quase conseguindo de novo.
- Tá, só vou ali vomitar um pouco e já chego aí. Vou voando.
- Vai se ferrar.
Acontece que Fritz realmente tinha aprendido a voar e, se não lhe falha a memória, a idéia de sair por aí salvando o mundo veio da cabeça perturbada de Lary. Não que Lary não tivesse outras boas idéias, acontece que a maioria delas envolvia explosivos e rituais de iniciação em seitas religiosas. Assim que Fritz vestiu sua capa ( anteriormente, uma simples toalha de mesa ) e partiu para tentar ajudar alguma alma indefesa, sentiu uma sensação estranha percorrendo seu corpo, uma sensação de que era realmente aquilo que ele deveria fazer. Ou então era somente o vento entrando rapidamente pelo seu nariz e indo de encontro com seu cérebro. Pensando bem, era mesmo o vento.
Porém, essa não é a história desse herói, nem de seu amigo alcoólatra ou do gorila falante preso no zoológico do centro da cidade. É a história de um entregador de pizza que foi salvo por um super-herói idiota e acabou por perder o emprego por não conseguir entregar uma pizza a tempo apenas porque o prédio estava em chamas.
Capítulo 2 – Lasanha de microondas não é uma boa ideia.
Nunca gostara de seu antigo emprego, de qualquer forma. Recebia muito pouco, trabalhava a noite toda e a pizza não era das melhores. Acabou por se conformar, depois de algumas bebidas pagas com o restante de seu último salário. Danny não tinha certeza do que fazer em seguida, só o que tinha em mente era como as ruas de sua cidade eram engraçadas enquanto se moviam no ar e qual o motivo da sua casa ter duplicado de tamanho sem consultá-lo. Conseguiu chegar até sua cama, a qual utilizou para tropeçar e cair no chão, onde decidiu ser um lugar perfeitamente bom para dormir.
Acordou no banheiro, o sol iluminava o espelho da pia e o cheiro presente naquele recinto talvez fosse um dos piores já registrados na história mundial. Danny levantou, após três tentativas falhas que resultaram em dor e manchas vermelhas em seus braços. Tentou abrir os olhos, porém desistiu ao perceber que o banheiro estava girando a uma velocidade impressionante. Passou a tarde toda se recuperando do que acreditava ser a pior ressaca que já presenciara em toda sua vida, ou seja, em 21 anos de insignificante existência.
Acredito ser uma boa hora para lhes esclarecer algumas coisas a respeito de Danny. Em primeiro lugar, ele é um idiota. Não tem ideia da complexidade da vida e acha que lasanha de microondas é uma boa ideia. Decidiu ir morar sozinho após uma briga com seus pais a respeito de uma camisa jogada no chão da sala. Não tinha nenhum tipo de planos para o futuro e sua ideia de estabilidade financeira se resumia a um emprego em alguma loja de departamentos no shopping da cidade. Em segundo lugar, ele não é um cara de boa aparência. Cabelos escuros e constantemente desarrumados, roupas amassadas e olheiras do tamanho de bolas de golfe. Em terceiro lugar, ele será, talvez, uma das únicas pessoas responsáveis pelo destino de todo o mundo.
Naquela noite, Danny fez o que qualquer pessoa sensata faria após perder sua única fonte de renda: pedir dinheiro emprestado. Tentou falar com seus pais, porém não conseguiu nada além de uma bronca a respeito de uma camisa jogada no chão da sala. Decidiu recorrer aos amigos, os quais, coincidentemente, nenhum estava em casa. Tocou a campainha da casa de Dave, um de seus amigos mais antigos e, infelizmente, um dos que melhor o conhecia:
- Quem é? – a voz que saía do interfone lembrava claramente a de Dave.
- É o Dave?
- Sim, quem está aí? – sua voz parecia um pouco assustada e receosa quanto a resposta que estava por vir.
- É o Danny, cara, preciso de sua ajuda.
- Ahhn, Danny? Que Danny? – definitivamente sua voz estava assustada e receosa.
- Sou eu, do colégio, estudei com você durante 5 anos.
- Ah, acho que você está procurando pelo Dave, aqui é o Dane, irmão dele.
- Não sabia que o Dave tinha um irmão.
- Pois é, ele tem. E ele não está, mas eu aviso que você passou por aqui, até mais.
- O-Ok, até mais.
Danny voltou para casa imaginando o que ainda restava em sua geladeira que não houvesse atingido o prazo de validade. Ele sabia que havia um pote de maionese e algumas latas de cerveja. Estava tão absorto em seus pensamentos que só percebeu que havia tropeçado quando sentiu um gosto peculiar de grama e barro, materiais que foram do chão para dentro de sua boca devido ao impacto resultante de sua queda. Se levantou e percebeu que havia caído devido a uma estranha caixa metálica.
Pegou-a e, ao examinar sua superfície, a expressão em seu rosto passou de ” indiferença total ” para ” interesse moderado “. Tudo o que a caixa trazia era um grande botão vermelho com os dizeres ” Não aperte ” impressos em branco.
Capítulo 3 – Hippies, engenheiros e franceses.
Já havia se passado 5 dias desde que Drek e Phill começaram a trabalhar no seu projeto intitulado ” Nós realmente não nos importamos “. Tal projeto se resumia a uma caixa, um botão e, claro, à destruição mundial. Resolveram criar esse aparelho após uma longa conversa não muito agradável com o Presidente da Associação dos Hippies:
- Ah, são vocês, podem entrar. – o Presidente da Associação dos Hippies era um cara extremamente ortodoxo, não gostava de diversão e tinha medo de manifestações coletivas. Segundo ele, elas sempre geravam mais manifestações, muitas vezes, vindas por parte das organizações alvo dos manifestantes.
- Sim, somos nós. E sabe do que viemos falar. – Drek e Phill eram hippies desde que podem se lembrar. Entraram para a organização pelas garotas, porém acabaram por perceber que a maioria eram apenas caras com cabelos compridos.
- Não me digam que é outra daquelas ideias estúpidas sobre amarmos ao próximo ou respeitarmos aos outros. Já disse, tudo isso é idiotice.
- Queremos apenas que você ouça o que pensamos que poderia ser nosso novo lema.
- Desde que seja algo vinculado ao que nossa organização acredita…
- ” Paz e amor “. – interromperam o presidente antes que ele começasse a falar sobre a real intenção da organização que era, antes de tudo, vender enciclopédias.
- Só podem estar brincando comigo. Sério, que tipo de lema é esse?
- Estamos tentando apenas pregar o amor livre e a não-violência…
- Estão loucos. Já disse mais de mil vezes que não somos um bando de desocupados que andam por aí distribuindo panfletos sobre paz mundial ou escrevendo músicas contra o consumismo desenfreado. Somos apenas vendedores de enciclopédias, lidem com isso.
- Então quer saber? Não fazemos mais parte desta organização. E querem saber mais? Vocês vão pagar por isso, ah se vão. – Phill adorava drama, sempre finalizava suas conversas com uma maldição ou alguma ameaça de morte.
Após saírem da organização, tentaram reunir um grupo de pessoas que concordasse com os mesmos ideais que eles, porém a maioria dos jovens de cabelos compridos já estavam tão acostumados a vender enciclopédias que não acharam viável trocar isso por um mundo melhor. Resolveram acabar com tudo construindo uma caixa com um botão vermelho que causasse a destruição do mundo. Simples.
E finalmente, após 5 dias de trabalho duro, diversos choques, danças estranhas e recitais de magia, o projeto estava completo. Decidiram escrever na parte de trás da caixa ” Drek e Phill – Nós realmente não nos importamos ” porque eles realmente não se importavam. Esperaram até o próximo sábado de manhã, que era o dia preferido de Drek, e apertaram o botão. Nada aconteceu. Apertaram novamente, e o mundo continuava lá, violento e definitivamente, sem amor.
- Drek, sabia que isso não ia dar certo. – Phill sempre sabia das coisas.
- Ok, mas e agora, o que a gente faz?
- Só joga fora, e vamos abrir uma organização que venda alguma coisa. Sei lá, enciclopédias.
- Mas e se alguém apertar o botão, e ver que não funciona? Tem nossos nomes atrás, pensarão que somos incompetentes. – Drek de fato, era incompetente.
- Já sei, escreve ” Não aperte ” em cima do botão. Ninguém vai apertar, portanto, não descobrirão que não funciona.
- Phill, você é um gênio ! – Phill, definitivamente, não era um gênio.
- Eu sei. – Ele, na verdade, não sabia.
A caixa foi jogada em qualquer avenida movimentada, apenas para fazer alarde. Conta-se que esta foi encontrada por diversos tipos de pessoas, desde índios canibais até um engenheiro que ficou abismado com o quão perfeito aquele botão não funcionava. Decidiu dedicar sua vida a criar uma caixa com um botão que não funcionasse melhor ainda que aquela feita por Drek e Phill. Ele se deu tão bem nisso, que acabou por abriu uma empresa de eletrônicos onde a grande maioria dos botões dos seus produtos realmente não funcionavam.
Passaram-se anos até que aquela caixa foi encontrada por Danny, que ficou surpreso ao encontrar a inscrição ” Drek e Phill – Nós realmente não nos importamos ” na parte de trás do objeto. Chegou a conclusão de que Drek e Phill devia ser algum tipo de empresa que confeccionasse caixas com botões e, se baseando na frase, concluiu que só poderia ser uma empresa francesa. Os franceses geralmente não se importam.
Resumindo, sim, é claro que ele apertou o botão. Porém, do contrário que aconteceu com Drek, Phill, os índios canibais e o engenheiro dono de uma empresa de eletrônicos famosa, o botão funcionou. Danny não acreditava no que via, e só conseguiu pensar no quanto a indústria francesa havia avançado nos últimos anos.
Capítulo 4 – Revolta das cores
Prédios, casas e ruas desapareciam na frente de Danny, enquanto ele tentava desesperadamente achar algum botão de desliga na caixa. Não conseguiu, resolveu apertar o botão vermelho novamente, servindo apenas para acelerar o processo de destruição mundial. Confuso, com medo e ainda com fome, tudo o que Danny conseguiu fazer foi deitar no chão e esperar pela morte inevitável. De repente, como se alguém tivesse apertado o botão de rebobinar em alguma fita de vídeo com um programa chato a respeito da vida na Terra, tudo o que fora destruído começou a ser posto de volta, numa precisão incrivelmente estonteante.
A única explicação plausível para esse fato estava num outro botão, azul, sendo apertado por uma criança chinesa, localizado em outra caixa. Do outro lado do mundo. Contendo os dizeres ” Aperte, não custa nada a tentativa ” na frente, e na parte de trás ” Drek e Phill – Acontece que nós nos importamos “. Fora criada com a intenção de salvar o mundo da destruição mundial, pelos hippies revolucionários de sempre. Porém, conhecidas as habilidades de projeção de Drek e Phill, é certo dizer que a caixa não funcionou como deveria.
Danny levantou a cabeça, e, por um instante, pensou que havia morrido. O céu estava amarelo e o sol, azul. Carros voavam por entre o que pareciam gelatinas gigantes com pessoas vendo TV dentro. O chão se movia como se tivesse vontade própria, e a cada passo de Danny, fazia um barulho desagradável. O ex-entregador de pizza tentava entender o que estava acontecendo, porém tudo o que conseguiu foi constatar que ele ainda tinha todos os membros do corpo, e sua cabeça ainda estava lá. Levou alguns minutos para perceber que a caixa com o botão vermelho tinha adquirido pernas, braços e um mecanismo de voz, e estava agora caminhando ao seu lado e fazendo perguntas sobre preferências musicais e lugares para se viajar.
- Ah, os Beatles? Danny, eles são superestimados demais, só sabiam cantar em um tom e usavam apenas 2 cordas da guitarra.
- Ok, mas me diz, como sabe meu nome?
- Ora, simplesmente porque eu sei de tudo, como também sei que os Beatles não precisavam do Ringo na bateria, ela sozinha faria um melhor trabalho.
- Você sabe de tudo? Como? Você é só uma caixa com um botão vermelho no meio.
- Exatamente por isso, Danny, exatamente por isso.
Danny decidiu não continuar a conversa pois achou mais interessante observar uma discussão de golfinhos com ratos a respeito de literatura do século passado. Nunca havia lido o livro, porém percebia que os golfinhos tinham um ponto de vista interessante.
- Ei, Danny, acho que você devia correr. Ou melhor, tenho certeza que você devia correr. – a caixa geralmente sabia do que estava falando, e frequentemente estava certa.
- Correr? Mas por que? – Danny nunca sabia de nada.
A rua em que eles estavam fora cercada por duas multidões de pessoas. De um lado, apenas pessoas vestindo camisetas vermelhas, e do outro, apenas azuis. É um fato interessante citar que o mundo havia sido dividido entre dois tipos de pessoas: As que gostavam de vermelho, e as que gostavam de azul. Consequentemente, iniciou-se uma briga para decidir qual seria, de fato, a melhor cor. Como as opiniões eram divergentes, e nenhum acordo era atingido, uma guerra acabou por eclodir. Pessoas que usavam vermelho odiavam as que usavam azul, e vice-versa.
Infelizmente, Danny não estava com muita sorte naquele dia. Ele estava parado no meio de duas multidões enfurecidas, com uma caixa escondida entre suas pernas, golfinhos e ratos se atacando pois não concordavam com o real sentido de algum livro e, ironicamente, vestindo uma camiseta verde.