Propaganda Enganosa
Manhã de novembro, de primavera e de segundo turno para as eleições presidenciais.
Havia saído para, num esforço quixotesco, distribuir um manifesto á democracia, elaborado por jurista conceituado e na plenitude de sua juventude, com mais de noventa anos de vida.
Cumprida a tarefa merecia um café. Caminhei e sentei na única mesa vaga no mais reconhecido Café da pequena cidade no sul mineiro.
Meu esforço foi recompensado, quando pediu licença para comigo dividir a mesa, uma bela representante da melhor idade.
Apresentou-se, pediu um “capuccino” e, sem medo de ser feliz, complementou seu pedido: torta de ricota com cobertura de morangos. Como justificativa, sorriu e indagou: meus 78 merecem, não acha?
Depois, brindou-me com excelente tese, quase outro manifesto, que meu entusiasmo com aquele “papo de café” obrigou-me a registrá-la.
Iniciou com recordações de seus questionamentos à propaganda, quando criança. Contou-me que ia para casa de seu avô e lá escutava rádio e, ao ouvir as propagandas, questionava sobre a lisura das mesmas, pois ora diziam que o Sabonete Lifebuoy era o melhor, ora diziam que era o Vale Quanto Pesa e ora o Eucalol. Complementou sua observação com a indagação: afinal, quem estava com a razão?
Justificou-se por estar , outra vez, com o tema propaganda atravessado.
Assisto, quase diariamente, propaganda governamental, realizada por artista global entusiasmando e convocando aos que responderão ao censo, para que afirmem como preta sua raça. Agora, bem próxima dos oitenta, surgiu-me questionamentos , mais uma vez, sobre propaganda, no caso a citada.
A primeira coisa que fiz foi entrar na página do IBGE (instituto responsável pelo censo) e, de fato, as opções lá encontradas para raças são: branca, preta, amarela, parda e indígena.
A classificação do órgão, difere daquela que aprendi no ensino primário, no grupo escolar de minha cidade natal: brancos, negros, indígenas, pardos, mulatos, caboclos e cafuzos.
Depois dessas lembranças, criticou a classificação do IBGE, pois conservando o termo pardo (mistura de negro, com índio e com branco), excluiu os mulatos (brancos com negros), caboclos (brancos com índios) e cafuzos (negros com índios).
Argumentou, ainda, que se caso o pardo da classificação do IBGE reunisse o pardo, mulato, caboclo e cafuzo da classificação que aprendera, então deveria ter sido substituído por outro termo, mestiço, exemplificou.
A classificação do IBGE excluiu o termo negro que aprendera e apareceu o termo preto. Será que esse preto do IBGE substitui o negro, mais o mulato, mais o caboclo e mais o cafuzo? Indagou.
Complementou sua dúvida, comentando se caso esse fosse o critério do IBGE, seria critério tendencioso, pois predominaria na mistura o negro, pois é reconhecido o termo preto como sinônimo de negro.
Respirou, deu uma bela garfada na torta, tomou o que restara do “capuccino” e continuou.
A artista global protagonista da propaganda não poderia, dentro da classificação que aprendera, ser considerada negra, assim, ela concluiu que o preto do IBGE, não é o sinônimo de negro, reconhecido pela linguagem popular. Esse conceito técnico, só conhecido pelos técnicos do IBGE, deveria ser transferido para os recenseadores e para a população.
Essa argumentação está baseada no conceito de raça que aprendi quando criança, já que não conheço o conceito do IBGE.
Entretanto, lá pelos trinta, surgiram muitas dúvidas e entre os quarenta e cinqüenta tive certeza de que a espécie humana não pode ser classificada, levando em consideração a pigmentação da pele e algumas características morfológicas.
Entendi que essa classificação camuflava a loucura do domínio.
Classificou-se, hierarquizou-se e justificaram-se atos decorrentes dessa loucura. A história está cheia de exemplos escravagistas e de genocídios.
Reforcei esse entendimento quando as pesquisas genéticas não encontraram nada que diferenciasse, amarelos, brancos, negros ou quaisquer outras classificações. Em todos os sistemas genéticos humanos conhecidos, os repertórios de genes são os mesmos.
Lá pelos sessenta fui seduzida pela classificação da espécie humana em etnias, grupos étnicos. Fatores culturais são levados em consideração: tradições, língua, religião, nacionalidade, afiliação tribal, são as principais.
Entretanto, penso que essa classificação também não diferencia a espécie humana. Sorrindo, num tom jocoso e revelando certa ironia complementou afirmando: o critério que diferenciava os índios em canibais e não canibais, era mais relevante. E, com gargalhada, concluiu: penso que um critério que poderá diferenciar a espécie humana será: carnívoros e não carnívoros.
Falando francamente penso que nem pigmentação da pele, nem características morfológicas, nem fatores culturais podem ser os indicadores para classificação da espécie humana.
Depois dos sessenta tomei conhecimento do conceito de raça professado por algumas escolas iniciáticas. Penso que essa classificação faz a diferença, porque leva em consideração o roteiro evolucional da espécie.
A cada estágio, corresponderia uma raça. Cada raça teria um agente condutor com maior influência: os instintos; os sentidos; a emoção; a razão; a inspiração; e a intuição.
Essa trilha evolucional levará o homem a reconhecer-se de fato, a conhecer-se verdadeiramente.
Despediu-se, desculpando-se por ter transferido sem qualquer clemência suas dúvidas e seus entendimentos. Como recompensa por meu interesse presenteou-me com livro que acabara de ler, dizendo-me que em seu conteúdo poderíamos também encontrar parâmetros mais efetivos para classificar a espécie humana.
Saíra para compartilhar panfletando manifesto á democracia e, voltava para casa com tese sobre classificação racial e livro sobre o despertar de nova consciência...