Saudades de mim 5. As brincadeiras e andanças.

A gente nunca tinha visto, mas acreditava no Saci Pererê. Era só alguém gritar no meio da brincadeira: "Lá vem o Saci Pererê!" e saíamos correndo procurando abrigo em algum lugar alto, geralmente na tábua mais alta da porteira e lá ficávamos em silêncio, ofegantes, com o corações descompassados a espera do "danado", mas o tempo passava e como ele não aparecia, íamos nos descontraindo, começávamos a falar e por fim descíamos da porteira e retomávamos as brincadeiras. Nossas brincadeiras preferidas era brincar de boneca feita de sabugo de milho, brincar de escolinha usando folha de laranjeira como caderno e espinho como lápis, o joelho como mesa e um tôco como cadeira, fazer "forno" na areia fôfa e úmida da estrada usando os pés como "fôrma", dar nó no capim dos trilhos para as pessoas tropeçarem ao caminhar, ou ir na igrejinha da fazenda "roubar" dinheiro da caixa de esmola prá comprar dôce na venda. Era com sentimento de culpa que entrávamos na igrejinha por uma porta lateral que ficava só encostada, mas a vontade de comprar dôce era maior, e só pegávamos um pouquinho de dinheiro, o suficiente para um dôce prá cada um. Eu era bem pequena e era com grande temor que eu seguia a molecada, parecia que os anjos que tocavam trombetas nos vitrais me olhavam com grande reprovação e os santos do altar, indignados pareciam dizer: Que feio! Isso não se faz! Ao passar em frente ao altar eu me benzia e saía pé-ante-pé pedindo perdão pelo tremendo pecado e já do lado de fora olhava com reverência para o quintal da igrejinha, pois diziam que lá estava enterrado um anjo e eu imaginava um lindo anjinho com vestes brancas e flutuantes caindo do céu e se espatifando no quintal da igreja, mas a caminho da venda o sentimento de culpa ficava para trás e após comprar os dôces íamos brincar no campo de bocha com as bolas de madeira tão pesadas que quase não conseguíamos erguê-las do chão. De volta prá casa passávamos no pé de coquinho, no pé de macaúva, no pé de jatobá, no pé de amora, nas cercas cobertas de Melão de São caetano e cipó de São joão, estávamos sempre procurando alguma coisa prá comer, pois em casa não havia muita comida. E assim passamos nossa infância, sem brinquedos, descalços, mal vestidos, mas extrapolando vida e alegria. Ah se eu pudesse trocaria tudo que tenho por tudo o que eu não tinha!

Madaja Dibithi
Enviado por Madaja Dibithi em 21/11/2010
Reeditado em 12/12/2010
Código do texto: T2628500
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