Memórias de menino (capítulo I)
Memórias de menino
Um jogo que não aconteceu.
A década de sessenta me marcou profundamente, embora eu tenha me apercebido de tal somente muitos anos depois do acontecido.
Sempre gostei de futebol e estimulado pelo meu pai um apaixonado por futebol, quase sempre ia aos jogos levado por ele. Mas aquele jogo era especial; o principal estádio de minha cidade, o Nhozinho Santos, localizado no centro de São Luis, estava reinaugurando com portões abertos. A partida era entre equipes do Maranhão e do Piauí. Os nomes não me recordo agora. Chegamos atrasados, faltavam poucos minutos para a partida. Entramos no estádio e só encontramos lugar junto ao alhambrado.
Casa cheia, apesar de ter chovido pela manhã, fazia um sol forte naquele momento. Lembro-me de ter pedido para o meu comprar um picolé, no que fui prontamente atendido, escolhi um de tamarindo, uma fruta típica de nossa região. Ainda estava degustando o picolé, quando ouvimos um grito vindo do alto da arquibancada: “O estádio está caindo” – Só depois saberíamos que uma caçamba descarregava pedras para um obra atrás do estádio. Tarde demais. Uma grande onda de pessoas se lançava sobre as outras iniciando uma avalanche de gente. Ouviam-se gritos de todos os lados, todos tentando fugir dalí, um inferno. Lembro-me ainda das pessoas chegando perto da gente e forçando a queda lenta do alhambrado. É tudo que me lembro. A partir daquele momento é como se tivessem me desligado, me levado para algum lugar, ou coisa parecida. Quando despertei estava no meio do campo de futebol onde meu pai me puxava pelo pé.
Milagrosamente, apesar do corpo magro e frágil, só fiquei com um arranhão no lábio superior. A roupa do meu pai estava toda suja de barro amarelo. Ele me tomou pelo braço e caminhos por aproximadamente meia hora até a nossa casa que ficava mais ou menos próximo do local do jogo. Na entrada da rua minha mãe aguardava-nos aflita, pois o assunto estava sendo noticiado por todas as emissoras de rádio de São Luis, nossa cidade.
Passados tantos anos daquele episódio ainda busco respostas sobre a minha sobrevivência daquele episódio. Certamente umas mil pessoas passaram sobre eu e meu pai, pois estávamos na parte mais baixa do campo e aquele monte de gente se lançou sobre nós para fugir do caos. Sorte minha que estou aqui para contar. Só ainda não me explicaram para onde “fui” naqueles minutos que antecederam a chegada do meu pai até mim. Talvez um dia eu descubra, por enquanto são apenas perguntas, sem respostas.