As aparências enganam
Crônica Publicada no Caderno Mulher Interativa - Jornal Agora - 06/Nov/2010.
E novamente, lá estava ele: o espelho... Com sua fria honestidade, quase ofensiva, lá está ele, impassível, encarando-a, revelando-a, despindo-a e rebatendo cada uma de suas perguntas mudas com aquela verdade cruel, pontual, feito agulha fina que espeta a espinha da vaidade. O espelho não perdoa. Nem o tempo... O tempo passa numa velocidade que ultrapassa a nossa compreensão. Difícil é acompanhar, mas, pronta ou não, a vida segue, ajustando o passo no compasso do tic-tac. É o jeito - não o único, mas o melhor - parar é uma alternativa pouco convidativa!
O tempo passa... A vida passa... E ela? Fica. Perdida num labirinto de sentimentos, tentando ignorar aquele hodômetro de aço que alardeia a todos os presentes qual a distância por ela já percorrida. Ora fingi, ora consegue... Já é craque em disfarçar as marcas, em engolir as mágoas, em fazer de conta que está tudo bem... Convence? A todos, na maioria das vezes, mas a si mesma, nunca. Ela sabe muito bem quem é, por mais que o espelho teime em dizer o contrário. E entre amigas, que nem sempre entendem a profundidade de suas verdades, ela se revela:
"Eu me olho no espelho e já não me encontro lá. Tudo que vejo é um reflexo torto e desfocado. Onde estou? Encolhida, acuada... Estou sufocada sob esta máscara que tempo sobre mim pregou, feito peça de mau gosto."
E então, num momento de súbita rebeldia, ela percebe que precisa emergir! Que quer, pode, e que - custe o que custar - vai moldar aquela estranha máscara para que lhe seja novamente semelhante! Um olhar superficial pode não entender a crise desta mulher - não se trata de idade, mas, sim, de identidade: um sentimento de inadequação ao corpo que veste, misturado a uma impotência por não poder mudá-lo. Até que, enfim, surge uma oportunidade! Mas junto a ela, uma série de críticas hipócritas e repreensões mesquinhas. Se um bisturi pudesse extrair angústias, quem não se arriscaria?
O fato é que, nossas interações com o mundo são moldadas pela forma como o espelho nos mostra, sim, mas mais ainda pela forma como nos mesmos nos percebemos - e aceitamos, ou não. E, às vezes, tudo que uma mulher precisa para encarar os desafios de frente, é de um bom par de silicones ou de um peeling facial - ou de ambos. Onde está a futilidade disso? Na mudança estética que lhe devolverá o amor próprio ou na coragem de mudar e, de cabeça erguida, encarar o olhar alheio?
É claro que nem sempre a investida gera bons resultados: basta uma falha, na mão do "profissional escultor" ou no bom senso da cliente, para que a catástrofe esteja feita. E há aquelas cuja raiz do problema é ainda mais profunda... Neste caso, de nada adianta moldar a imagem, pois a distorção não está no que o espelho a mostra, mas sim, no olhar que nele procura defeitos.
Vale lembrar ainda que, se o corpo humano fosse feito para ser aberto ao primeiro sinal de dúvida, viria com zíper. Toda intervenção cirúrgica invasiva é uma medida extrema e, portanto, só deve ser usada em situações extremas, onde o benefício valha o risco. E, no caso das correções estéticas, tal benefício vai muito além do que aparenta!