Verdade ou Consequência
Publicada no Caderno Mulher Interativa - Jornal Agora. Out/2010.
Ainda pequenos, somos treinados por meio de contos e brincadeiras a acreditar que faltar com a verdade sempre acarreta algum ônus – Verdade? Ou consequência? Desde cedo compreendemos a moral desta história: muitas vezes, pagar uma prenda gera menos constrangimento do que encarar olhares alheios, tão rasos, tão cheios de repreensão despertada pelo contar com a verdade. E assim, pouco a pouco, dia a dia, de pesar em pesar, a inocência dá lugar à flexibilidade dos princípios: o jogo de cintura que tanto nos entretém na vida adulta.
A verdade é que... Nossa sociedade superestima a verdade! Nem toda verdade é boa, nem toda mentira é ruim. Nem tudo é tão preto no branco quanto um tabuleiro de damas! Com o passar do tempo, também conhecido como “maturidade”, nossos olhos bem treinados adquirem a habilidade de reconhecer nuances... Sejam elas de cores, olhares, vozes ou comportamentos. E, embora o senso comum diga que só um olhar feminino pode detectar a sutil diferença entre tons de creme, marfim e bege claro, tal habilidade não faz das mulheres detectores vivos de mentira! De forma geral, elas são até mais suscetíveis a ilusão que os indivíduos do gênero oposto, porém, diferente deles, elas conhecem o real valor de uma mentira!
Mentira! Ninguém pode conhecer o real valor de uma mentira. Não por ela não ter valor, mas, sim, por ser este um valor subjetivo demais para cair no consenso geral. Pondo os bons costumes antes da ética, uma boa mentira pode ter muito mais serventia que uma verdade do mal – sim, tanto a verdade quanto a mentira podem ter tendências! Toda ação que magoa, que oprime, que prejudica, não é de todo boa, independente do que digam suas intenções!
Nem sempre um bom mentiroso é um mentiroso do bem. É preciso reconhecer o que é mais adequado para cada situação; usar o jogo de cinturas para saber dosar quando a verdade vale, ou não, a pena. E, ao contrário do que diz o jogo infantil cuja finalidade é um tanto duvidosa, muitas vezes na vida adulta uma verdade, ainda que boa, acarreta consequências ainda maiores que uma mentira.
Se você disser a uma criança que seus desenhos são horríveis, que seu traço é torto e que ela não sabe pintar, é bem provável que ela desenvolva algum tipo de alergia ou tendinite oportunista – algo surgirá repentinamente sempre que a tarefa envolver um lápis de cor – o que acabaria com qualquer chance de que a prática a levasse às beiras da perfeição, eternizando tal “verdade” sobre suas habilidades artísticas. Uma verdade maligna é a ferramenta mais eficaz para a destruição de sonhos!
Além disso, as ações têm o valor que nós atribuímos a elas. E este valor oscila mais que qualquer cotação monetária! Verdade e mentira podem mudar de papéis em questão de segundos. É tudo uma questão de referencial – quando, quem, como e onde. O que é a mais absoluta verdade de um, pode ser a mais supérflua mentira de outro. Ficção e fato não são assim, tão distantes... Basta dar-lhes algum tempo, deixar cair no esquecimento e, pronto: já não se pode discerni-los facilmente. A história é cheia de fatos enriquecidos por mentes criativas em registros mirabolantes – provavelmente bem mais interessantes do que a verdade crua.
Há quem diga que os melhores mentirosos são aqueles que embalam a mentira em camadas de verdade – inserem pitadas de ficção em meio a dados e fatos. Outros dizem que são aqueles que nelas acreditam, pois, nesse momento, a transformam em verdade. Afinal, onde mora a verdade? No mesmo lugar, em nós, onde a mentira se esconde. É a fé que nós e os outros atribuímos a ela que determinará a sua inclinação.