A perda da unidade tribal e algum motivo para o misticismo



A perda da unidade tribal e algum motivo para o misticismo
 
Apesar de a filosofia grega ter se apresentado com uma linha clara, inicialmente presente de racionalismo, ela logo permitiu que a lógica se contaminasse por misticismo. Misticismo este que pode ser belo e gracioso aos olhos de alguns, dividindo para o terreno, o feio, o simples e o imperfeito, passando o imanente a ser mera representação do ideal de beleza e justiça que o platonismo ao longo nos impôs. No fundo, esta filosofia que permitiu o místico foge ao real e ao imanente, deixando o racionalismo flutuar entre o possível e o ideológico, entre o mensurável e o desejável, entre o natural e o sobrenatural.
 
Como comentava Carl Popper “A perda da unidade tribal e da sua proteção gerou uma nostalgia que se expressa na inter-relação de elementos místicos em abordagens meramente racionais”.
 
Não sei exatamente se esta é a única razão, creio que não seja. Creio que o homem, aquele sapiens sapiens que evoluiu lentamente, sofreu e sobreviveu milhões de anos sem ter nenhuma explicação sobre os eventos catastróficos da natureza. Terremotos, tsunamis, enchentes, trovoadas e trovões, fogo nas florestas, a lua que mudava de fases dia a dia e se repetia período a período nesta mudança, eclipses lunares, eclipses solares, cometas nos céus, supernovas que brilhavam do nada, asteróides, vendavais, furacões, secas avassaladoras, eventos simples como a própria chuva (o ciclo básico das águas que a maioria dos alunos hoje aprende ainda no primário) deviam parecer avassaladoramente complexos e assustadores aos olhos de nossos ancestrais, daí o surgimento natural da necessidade de algum misticismo. Só mesmo alguns seres sobrenaturais teriam a força e o poder de nos punir com estas monstruosidades. Assim nosso cérebro evoluiu com alguma seleção natural para aqueles que pelo medo se uniam e se ajudavam mutuamente, e estes eventos foram forças que ajudaram a nos unir, nos ajudando uns aos outros.
 
Assim Popper tem a meu ver parte da razão quando informa que perder a unidade tribal de vida e de proteção nos faz mais solitários em sociedades maiores, e aflora aquele instinto de defesa que é acreditar no misticismo como linha de beleza, salvação e proteção.
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É interessante como mais recentemente, especialmente com Bérgson e os seus seguidores e variantes, foi sendo cada vez mais criado o habito (que sempre existiu entre os “irracionais” racionalistas do transcendente), quase oracular, de ignorar, ou na melhor das hipóteses deplorar a existência de seres, como tento ser, “tão inferiores” como os racionalistas críticos ou mesmo os materialistas.
 
Voltando a Popper: “Para estas pessoas tanto os racionalistas quanto os materialistas, e, sobretudo os cientistas racionalistas são pobres de espírito e praticam atividades sem alma, predominantemente mecânicas, e desconhecem os problemas mais profundos do destino e do desígnio humano e da filosofia”.
 
Os racionalistas costumam retribuir descartando o irracionalismo como um disparate.
 
Eu pessoalmente descarto o misticismo como irreal e totalmente dispensável, no mínimo sem sentido e sem necessidade. Se é desnecessário não preciso me envolver com ele. Tenho tantos problemas sociais, reais e materiais para lutar. Isto por si só já basta para me ater em estado de constante construção positivista. Basta ser humano que já tenho muito o que contra lutar por aqui.
 
Um deus ou algo transcendental que se indigna em ajudar milhões de pessoas, entre estas, milhões de crianças, não deve realmente existir. caso exista, ele sabe como me encontrar e mostrar sua existência. Bastaria minimizar a miséria mundial, aplacar a fome de poder e de riquezas de alguns, não precisando nada mais fazer, nada para mim. Se ele não quer aparecer, não me gastarei procurando ele...
 


Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 19/11/2010
Reeditado em 20/11/2010
Código do texto: T2625165
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