Querida Carla
"Querida Carla.
Estive compenetrado em meus estudos e por isso não lhe escrevi na última semana, conforme estávamos acostumados a fazer. Disso você já sabe, assim como o conteúdo dessa que você me presenteia com seus olhos e sua calma leitura não é inédito: venho por meio dela falar o quão eu te desejo. Como você pode observar na data, redigi-a no dia subseqüente à sua partida. É uma boa forma de começar a segunda-feira; é uma forma de consolo por ela, a segunda-feira, nos separar após um final de semana repleto de magia e carinho. Sei que já falei tudo isso no seu ouvido dentro do carro, na fila do pão e na beira do laguinho, mas as palavras ditas se perdem no vento enquanto a palavra escrita permanece pela eternidade. Queria estar aí, com você e balbuciar que eu assaz te desejo para o vento pegar e carregar as palavras e espalhá-las pelo mundo, que anda tão carente de um sentimento tão puro e singelo como este. Eu fico deveras feliz quando ando por essas ruas e vejo casais caminhando de mãos dadas, abraçados em frente à portões de madeira e sentados na calçada simplesmente observando a lua. Nesses momentos, é claro, sinto sua falta, pois queria, também, fazer parte de supramencionada paisagem. Mas sei que tão logo os afazeres profissionais forem se esgotando conforme a semana passa, a certeza de repousar meus olhos em tua espectral silhueta vai gradativamente revigorando os meus sentidos. Eu nunca, nunca, nunca pensei encontrar alguém como você. Que compartilhasse o mesmo gosto musical que o meu, que apreciasse assim como eu coisas bobas com o sibilar de um bem-te-vi, que se comprometesse, mesmo que de forma tácita, a batalhar por um relacionamento duradouro e harmonioso. Assim como o nosso o é, e que me faz ser eternamente grato aos Deuses do Destino pela bondade deles em ter te colocado no meu caminho. Sinto sua falta e conto os dias para entrelaçarmos os dedos e confabularmos sobre o nosso futuro. Eu te amo, e amarei enquanto inspirar oxigênio e expirar gás carbônico."
Ele dobra as folhas cuidadosamente, coloca dentro de um envelope e o deposita na caixa do correio.
Três dias depois o carteiro entrega sua carta.
Ele abre e lê.
Agora ELE é Carla.
De tão desiludido com todas suas tentativas frustradas de conseguir ser amado, criou um holograma que apelidou de Carla e, semanalmente, envia-lhe as mais açucaradas cartas de amor que se tem notícia. E não sofre, não tem ciúmes, é correspondido e não corre o risco de ser abandonado.