CRÔNICA – Caminhando na praia - Um olhar pelo Recife...

 

            “Sou do Recife com orgulho e com saudade, sou do Recife com vontade de chorar”. São os versos iniciais do grande frevo composto por Antônio Maria, pernambucano que elevou bem alto o nome deste Estado nordestino.

            Chorar? Não seria outra a minha reação ao caminhar hoje à beira da praia de Boa Viagem, bairro tido e havido como da classe alta desta capital, apelidada de “A Veneza Brasileira”, que os gozadores espirituosamente mudaram para “A venérea brasileira”, ante os contrastes que se verificam ao longo de sua história.

            Pois é, aqui onde o ciclo do açúcar predominou e ainda tem significativo valor para a economia regional, até agora vemos a miséria se sobrepor ao povo e este mesmo povo se submeter aos caprichos dos altos mandatários deste país, que prometem melhorar a vida dos concidadãos quando querem ganhar eleições, porém nada fazem quando galgam o poder. É muito melhor um miserável a favor do que um remediado contra.

            Esse pobre que aí está dormindo na balaustrada é um infeliz que deve ter sido abandonado pela família, ou mesmo pela esposa e filhos; talvez, quem sabe, uma decepção muito forte o tenha encaminhado para a condição de andarilho, pedinte, sem qualquer perspectiva de uma vida mais consentânea com a sua condição de brasileiro, de pessoa humana com todos os direitos e obrigações. Compete ao Estado garantir vida digna para os seus habitantes.

            Alguns poderiam dizer: Mas foi ele próprio que escolheu esse meio de vida! Para mim é meio de morte.  Penso, seriamente, que quando se chega a uma situação dessas não tem o pobre coitado qualquer vontade de se manifestar por este ou aquele caminho. Quase sempre tudo que vier é de bom grado. O governo promete melhorar, a constituição fornece o apoio indispensável (e até diz que todos são iguais perante a lei), mas inexiste vontade política para fazê-lo. É muito melhor pagar pelos votos alcançados do que tirar um mendigo das calçadas e dos pontos de ônibus.

            Na constituição reza que ninguém poderá perceber menos do que o salário-mínimo, entretanto o governo é o primeiro a ludibriar a lei maior, concedendo salário miserável aos componentes do “bolsa-família”, apelido dado para lograr os mais necessitados. Sim, porque sendo bolsa não incide recolhimentos para a previdência social, nem tampouco obriga a que o poder mande pagar o décimo terceiro salário aos beneficiários. Já tramitou no Congresso uma proposta no sentido de se pagar mais um salário no mês de dezembro, todavia a maioria do governo votou contrariamene à pretensão.

            A propósito de “veto”, bom que se diga que o governo Lula vetou uma lei aprovada pelos parlamentares no rumo de conceder aumentos aos aposentados em percentual igual ao do salário-mínimo, bem assim derrubando esse famigerado “Fator Previdenciário”, que limita os rendimentos daqueles que deram toda uma vida em prol desta nação. Mas o povo gosta de sofrer, o resultado das eleições foi uma vitória acachapante das lides governamentais; o governo tem o povo que merece, contrariamente àquele provérbio largamente conhecido de todos.

                Este Estado já foi governado por usineiros, militares e até comunistas, como no caso do grande líder, doutor Miguel Arraes, que fora deposto pelo golpe militar de 1964, expulso de seu palácio em pleno exercício do poder. Esse político pregava abertamente o comunismo, aplaudia as invasões de propriedades rurais, através das Ligas Camponesas, comandadas pelo falecido deputado Francisco Julião, herdadas hoje pelo MST, que só sabe causar danos a empresas agropecuárias, isso sob a proteção do governo federal.

            O aristocrata Cid Sampaio, potente usineiro, também governou Pernambuco. Deu enorme passo na industrialização do Estado. Criou a COPERBO, empresa que fabrica borracha sintética, oriunda do álcool, que é abundante na região nordeste. Essa indústria foi feita com dinheiro do povo, que se tornou seu sócio, através da troca de notas fiscais por ações da novel indústria, que até hoje funciona no Cabo de Santo Agostinho. A ideia, todavia, não prosperou depois de sua saída do governo.

            Hoje Pernambuco é governado pelo doutor Eduardo Campos, neto do Miguel Arraes, filiado ao PSB, da base de apoio ao governo federal, que por sinal acaba de ser reeleito no primeiro turno, batendo o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB). Um detalhe é que o nosso governador foi um dos candidatos mais beneficiados com doações ocultas de campanha, dinheiro sem origem, que dizem ser constitucional. Mas nem tudo que é legal é honesto e ético... Isso pra mim é uma maneira de encobrir e de lavar dinheiro sujo.

            A meu pensar, o governo pode fazer o que quiser, todavia, enquanto não acabar com a fome de educação e a miséria do povo não terá de mim uma voz em seu favor...

            Por essas e outras razões é que tenho vergonha de ser brasileiro.

Foto: GOOGLE.

Fico por aqui.

Em revisão.


            Não quero daqui acusar este ou aquele governo, pois não sou político, mas apenas falar de dirigentes, de um modo geral, notadamente daqueles que pregam o bem-estar do povo durante as campanhas, promessas que são verdadeiros estelionatos eleitorais. Claro que tudo vai recair no que aí está, esse que sempre diz que o problema vem desde a era de 1500, quando Cabral ou os espanhóis descobriram o Brasil.

Interação/comentários:

19/11/2010 01h16min - Celêdian Assis:

Aqui vejo o olhar generoso do homem para o seu semelhante, dignando-se a estender-lhe não a piedade, mas a fraternidade de quem entende-lhe o sofrimento. Este é o Ansilgus que conheço. Há também um olhar crítico e consciente não para as consequências das mazelas humanas, como a do homem na balaustrada, mas para as causas que o levaram ao estado de relegado pela sociedade, pelo Estado, responsável por esta situação social. Este é o Ansilgus que se envolve com os problemas sociais de nosso país, imprimindo-lhes a verdadeira importância que tem. Excelente texto meu amigo. Bela noite para você e o meu abraço.

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19/11/2010 13h13min - Ariadne Cavalcante:

Oi meu amigo, é triste mesmo esse contraste gritante em nossa sociedade, mas não é somente aí em Recife não, por aqui as coisas também são do mesmíssimo jeito! Sinto uma admiração por você se sensibilizar pela fome do outro e seus problemas, você tem razão, muitas vezes não se tem escolha não, a vida empurra ladeira baixo e não há como evitar... De fato, entra governante e sai governante e as pessoas continuam na miséria! Parabéns pela sua sensibilidade e pelo seu altruísmo! Hoje o passeio na praia não foi tão aprazível, mas mesmo assim gostei muito dessa caminhada... Parabéns, meu amigo por tudo! Um beijo e uma boa tarde!

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19/11/2010 17h46min - Jacó Filho:

Já houve um tempo que os padrinhos eram os coronéis, mas seus afilhados, analfabetos ou não, trabalhavam e tinham assistência total, não estou escrevendo de ouvir dizer, eu vivi isso em casa. Hoje o padrinho é o estado e a maioria dos afilhados não trabalham nem tem assistência de nenhuma natureza, falta o consultor "Coronel" pra lhe dizer o que fazer... Apenas ler e escrever não garante competência pra ninguém, e sem orientação, eles só vão até onde a bolsa miséria os levam... O resto é lixo, pra cima e pra baixo... Parabéns! E que Deus nos abençoe e nos ilumine... Sempre...

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19/11/2010 22h59min - Regina Coeli Carvalho:

Recife cidade que sonho em conhecer. Fique triste não, no meu Rio de Janeiro a situação não é muito diferente. Deplorável pela manhã encontrarmos pessoas dormindo pelos cantos, crianças tomadas pelo crack jogadas na sarjeta. E os guardas municipais pertinho, pertinho, e nada fazem. Muitos que se encontram nas ruas além de não possuírem um teto, uma família, perderam o mais importante: a dignidade. Comovo-me diariamente com as pessoas que encontro nessa situação, enquanto isso nosso governador passeia em Paris. Meu abraço.

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ansilgus
Enviado por ansilgus em 18/11/2010
Reeditado em 20/11/2010
Código do texto: T2622555
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