A mãe do mundo
Há dias em que ela ama assim: como se fosse a mãe do mundo!
E todos, todos são os filhos seus: o homem que a xinga no trânsito, a moça que a destrata no balcão, o rapaz que fura a fila com um palavrão, a multidão que não a vê...
Um por um ela ama, e inspira a sua dor, acolhendo-a no próprio coração, com a sutileza dos humildes...
Regozija-se com cada existência, qual mãe orgulhosa de seus rebentos.
Nesses dias, observa o insulto de quem passa, mas ela não passa.
Recebe em seus olhos, seu útero, seu plexo, seu peito...esse ser que se engana. Esse ser igual a ela...
E choram juntos toda a carência da criança, toda a miséria, o sofrimento e o êxtase de ser humano. Simplesmente...impunemente.
E tece um longo tecido de esperança, a cobrir delicadamente o desamor, como se fosse uma segunda pele, sobre corações sem pele...
Seres estressados que cruzam o seu caminho...e ela observa, em cada um, a ferida exposta...o desejo atávico de ser amado.
Faz isso com um abraço imaginário, que de tão etérico, se faz real.
E aí, não sei porque, um estranho olha pra ela, de repente...por um breve instante.
Vê que ela é sua mãe, sua filha, sua amante, sua família, seu mundo, seu tudo...
E se constrange...
Coça a cabeça, olha o vazio... e esquece por um momento a raiva, o tédio, a luta e, relaxa...num longo suspiro...
Como uma criança que acabou de mamar e dorme tranquila...
Até que uma buzina o desperte...