A imortal Rachel
Se você não é capaz de ter amigos, você é um erro da natureza...
Rachel de Queiroz
1. O Brasil está comemorando o centenário da escritora cearense Rachel de Queiroz, nascida em Fortaleza no dia 17 de novembro de 1910.
Rachel, a dama nordestina da crônica, do conto e do romance conquistou os brasileiros com a leveza dos seus textos e a simpatia das suas histórias.
2. Aos mais novos, queria lembrar, entre outras coisas, que Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, idos de 1977, mais precisamente no dia 4 de novembro daquele ano.
Muito franca, prevendo possíveis especulações, ela assim justificou sua eleição: "Não entrei para a Academia por ser mulher. Entrei porque, independentemente disso, tenho uma obra."
3. Embora, embora, em determinado momento de sua vida, tenha afirmado, com todas as letras, o seguinte: "Não dou importância a esse negócio de minha obra. Eu fiz uns livrinhos, estão aí, tomara que as pessoas continuem gostando."
Não é verdade. Rachel escreveu para a posteridade.
4. Sobre sua farta e extraordinária produção literária, assegurou o acadêmico cearense Sânzio de Azevedo: "...a obra de Rachel de Queiroz se mantém atual porque não contempla apenas determinado tempo e local, mas o ser humano com seus probelmas e angústias."
Posso imaginar o que escreveriam sobre ela, no seu centenário, os saudosos Austregésilo de Athayde, seu conterrâneo, e Dom Marcos Barbosa, que a chamava de Rachelzinha, ambos seus colegas na Casa de Machado de Assis.
5. Modestamente, eis-me, aqui, pretendendo prestar-lhe minha homenagem. Inicio, dizendo que releio suas crônicas sempre com renovada alegria e indescritível prazer. Releio até as que ela publicou entre 1945 e 1975, na última página (A Ùltima Página) da revista O Cruzeiro, de saudosa memória.
6. Seus livros estão na minha mesinha de cabeceira, facilitando meu retorno a eles. Lendo-os, sinto cheiro das flores do aguapé; e me reencontro com o pau-d´arco que, segundo ela, é "aquela surpresa colorida no meio da caatinga".
7. Lendo-os, sinto u´a saudade imensa do Quixadá e do Junco, cidades que conheci de perto, nas minhas repetidas viagens do sertão para Fortaleza e de Fortaleza para o sertão, nos trilhos estreitos das queridas marias-fumaça.
8. Sobre o Junco, vejam o que Rachel escreveu: "Neste mundo tão grande, nunca houve um pedaço de terra que tenha sido mais preso ao meu coração do que aquele trecho bravio do município de Quixadá a cento e oitenta quilômetros do oceano Atlântico."
9. Lendo-os, sinto suadades dos açudes, lagoas, rios e riachos do meu Ceará, muitos sem uma gota d´água!!! Lendo-os, sinto saudade da redinha de tucum onde, em cálidas tardes sertanejas, muitas vezes adormeci ouvindo o trinado sutil de um canário peregrino.
10. Lendo-os, sinto saudade dos saguins moleques; das galinhas d´água; das jaçanãs; dos gaviões raivosos; dos quero-queros e dos tetéus notívagos. Lendo- os, sinto o perfume discreto das açucenas inocentes; e o olor dos jasmineiros que enfeitam os alpendres das casas de taipa.
11. Lendo-os, sinto, na carne - pasmem! - a picada maldita da unha de gato, arbusto nordestino que aterroriza os vaqueiros, na perseguição corajosa ao boi brabo. Lendo-os, me vem à lembrança a fazenda Não Me Deixes, a 30 quilômetros de Quixadá, com seus gansos irrequietos festejando a passagem dos trens, e que foi, a vida toda, o santo xodó da Rachel.
12. Diria que a fazenda Não Me Deixes foi o amor maior da escritora que nunca esqueceu o seu Ceará. Quando podia, deixava o asfalto crioca e vinha curtir os canarinhos doirados do seu sertão.
13. Rachel se dizia agnóstica.
Mas foi uma agnóstica diferente: era devota de Santo Antônio de Pádua. E, segundo sua amiga Rosita Ferreira, toda noite ela se benzia, rezava o Padre-Nosso e a Salve-Rainha!
14. Momentos antes de partir, conversando com a Rosita, a autora de O Quinze surpreendeu: "Eu vou morrer e vou direto para o céu. Está tudo acertado." Rachel morreu no dia 4 de novembro de 2003, no Rio de Janeiro.
15. Se ela está no céu, não sei... Mas, se por acaso existir outra vida, lá ela estará escrevendo, e, ao lado de Oyama de Macedo, recordando os bons momentos vividos no sertão alencarino, sob o céu de Não Me Deixes, cantinho que os dois construíram com muito amor...
16. Até aqui, não disse nada de novo. Mas falei de Rachel. E isso me gratifica; e me enche da mais terna alegria...
Se você não é capaz de ter amigos, você é um erro da natureza...
Rachel de Queiroz
1. O Brasil está comemorando o centenário da escritora cearense Rachel de Queiroz, nascida em Fortaleza no dia 17 de novembro de 1910.
Rachel, a dama nordestina da crônica, do conto e do romance conquistou os brasileiros com a leveza dos seus textos e a simpatia das suas histórias.
2. Aos mais novos, queria lembrar, entre outras coisas, que Rachel de Queiroz foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, idos de 1977, mais precisamente no dia 4 de novembro daquele ano.
Muito franca, prevendo possíveis especulações, ela assim justificou sua eleição: "Não entrei para a Academia por ser mulher. Entrei porque, independentemente disso, tenho uma obra."
3. Embora, embora, em determinado momento de sua vida, tenha afirmado, com todas as letras, o seguinte: "Não dou importância a esse negócio de minha obra. Eu fiz uns livrinhos, estão aí, tomara que as pessoas continuem gostando."
Não é verdade. Rachel escreveu para a posteridade.
4. Sobre sua farta e extraordinária produção literária, assegurou o acadêmico cearense Sânzio de Azevedo: "...a obra de Rachel de Queiroz se mantém atual porque não contempla apenas determinado tempo e local, mas o ser humano com seus probelmas e angústias."
Posso imaginar o que escreveriam sobre ela, no seu centenário, os saudosos Austregésilo de Athayde, seu conterrâneo, e Dom Marcos Barbosa, que a chamava de Rachelzinha, ambos seus colegas na Casa de Machado de Assis.
5. Modestamente, eis-me, aqui, pretendendo prestar-lhe minha homenagem. Inicio, dizendo que releio suas crônicas sempre com renovada alegria e indescritível prazer. Releio até as que ela publicou entre 1945 e 1975, na última página (A Ùltima Página) da revista O Cruzeiro, de saudosa memória.
6. Seus livros estão na minha mesinha de cabeceira, facilitando meu retorno a eles. Lendo-os, sinto cheiro das flores do aguapé; e me reencontro com o pau-d´arco que, segundo ela, é "aquela surpresa colorida no meio da caatinga".
7. Lendo-os, sinto u´a saudade imensa do Quixadá e do Junco, cidades que conheci de perto, nas minhas repetidas viagens do sertão para Fortaleza e de Fortaleza para o sertão, nos trilhos estreitos das queridas marias-fumaça.
8. Sobre o Junco, vejam o que Rachel escreveu: "Neste mundo tão grande, nunca houve um pedaço de terra que tenha sido mais preso ao meu coração do que aquele trecho bravio do município de Quixadá a cento e oitenta quilômetros do oceano Atlântico."
9. Lendo-os, sinto suadades dos açudes, lagoas, rios e riachos do meu Ceará, muitos sem uma gota d´água!!! Lendo-os, sinto saudade da redinha de tucum onde, em cálidas tardes sertanejas, muitas vezes adormeci ouvindo o trinado sutil de um canário peregrino.
10. Lendo-os, sinto saudade dos saguins moleques; das galinhas d´água; das jaçanãs; dos gaviões raivosos; dos quero-queros e dos tetéus notívagos. Lendo- os, sinto o perfume discreto das açucenas inocentes; e o olor dos jasmineiros que enfeitam os alpendres das casas de taipa.
11. Lendo-os, sinto, na carne - pasmem! - a picada maldita da unha de gato, arbusto nordestino que aterroriza os vaqueiros, na perseguição corajosa ao boi brabo. Lendo-os, me vem à lembrança a fazenda Não Me Deixes, a 30 quilômetros de Quixadá, com seus gansos irrequietos festejando a passagem dos trens, e que foi, a vida toda, o santo xodó da Rachel.
12. Diria que a fazenda Não Me Deixes foi o amor maior da escritora que nunca esqueceu o seu Ceará. Quando podia, deixava o asfalto crioca e vinha curtir os canarinhos doirados do seu sertão.
13. Rachel se dizia agnóstica.
Mas foi uma agnóstica diferente: era devota de Santo Antônio de Pádua. E, segundo sua amiga Rosita Ferreira, toda noite ela se benzia, rezava o Padre-Nosso e a Salve-Rainha!
14. Momentos antes de partir, conversando com a Rosita, a autora de O Quinze surpreendeu: "Eu vou morrer e vou direto para o céu. Está tudo acertado." Rachel morreu no dia 4 de novembro de 2003, no Rio de Janeiro.
15. Se ela está no céu, não sei... Mas, se por acaso existir outra vida, lá ela estará escrevendo, e, ao lado de Oyama de Macedo, recordando os bons momentos vividos no sertão alencarino, sob o céu de Não Me Deixes, cantinho que os dois construíram com muito amor...
16. Até aqui, não disse nada de novo. Mas falei de Rachel. E isso me gratifica; e me enche da mais terna alegria...