Ironias do Destino

Vinha toda prosa de casa, já que nos últimos meses sua vida tinha se tornado uma rotina e aquelas ruas eram o seu único caminho até o seu mais novo endereço. Enquanto seu pai construía a casa na cidade que nascia, ela dividia seu tempo entre a vila velha, onde ainda morava, e a ajudar o pai na obra.

Sempre gostou de roupas provocantes, de andar muito limpinha e ver os olhares de desejo que os homens, principalmente os bêbados, lançavam sobre seu corpinho escultural, e ela tentando disfarçar dizia com altivez: "odeio essa gente". Detestava sujeira a ponto de só assoar o nariz usando luvas cirúrgicas. Numa ocasião, esmurrou tanto um garoto só por que o pobre coitado estava brincando com ela e o nariz desse escorria catarro até a altura dos lábios. Tanta "frescura" e cuidados não lhe isentaram de uma terrível fatalidade que lhe deixou na lama, no sentido pleno da palavra.

Desfilando seu corpinho de miss a caminho do novo Paranoá, andava entre os destroços de barracos, aliás bons tempos aqueles que vivíamos na nossa sublime vila Paranoá, mas isso são outros quinhentos. Justamente em frente a um "boteco" percebeu que os sapatos estavam encharcados de lama e preocupou-se logo em limpá-los. A nossa higiênica personagem também tinha muita sorte. Chovera muito na madrugada causando diversas poças de lama nas ruas, avistou uma dessas com um tronco atravessado. Não teve dúvidas, e no afã de se limpar pensou:

_ Vou cruzar a poça e lá molho os sapatos tirando a lama.

A pobre moça foi socorrida pelos bêbados, os quais ela tanto odiava, que ouviram seus gritos pedindo ajuda. Simplesmente seus olhos lhe traíram e aquela poça de lama na verdade era uma fossa séptica repleta de fezes, claro, que a tragara por inteiro. Quando, por fim, estava em terra firme os "bebuns" que a admiravam já não mais sentiam tanto esplendor assim, afinal estava ali diante deles uma deusa de muitos sonhos e desejos, uma menina com manias de limpeza, mas que no momento o odor forte de fezes vencidas (se é que pode dizer isso) não deixava ninguém com vontade de se aproximar.

Limpou os olhos, viu o mundo a sua volta e os olhares dos presentes (agora já não eram somente bêbados) quase lhe deixaram constrangida. Quis chorar, mas conteve as lágrimas, tomou de volta a pose de limpinha e esfregando as mãos pelo resto do corpo, tirando o excesso de cocô, empinou o nariz e cruzou o resto de rua até a sua futura casa. Percebia que enquanto andava alguns meninos lhe tiravam "sarro" usando frases e gestos que caracterizavam ainda mais a sua miserável condição de sujinha.

Ah, esse destino!!!!

VALBER DINIZ
Enviado por VALBER DINIZ em 17/11/2010
Reeditado em 12/05/2011
Código do texto: T2620792
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