Uma Eterna Lembrança

O “djavanear” saia dos lábios de um gordo solista. Ao lado, em uma mesa de bar, mãos se acariciavam em juras de amor com frases suprimidas, porém, faladas nos olhares.

Alguém, timidamente, interferiu os devaneios dos amantes a oferecer-lhes flores artificiais. A sua timidez não se deixou perceber que dois pares de olhos, naquele momento, surpresos, pararam de se olhar e a observaram... havia nos tais olhares um tom de curiosidade e, ao mesmo tempo, compaixão.

Aquela pessoa não demonstrava nada, além de um cansaço que denotava o trabalho diário. O dia se fora, e a noite havia surgido há muito tempo.

Ainda a mirar aquela pessoa de face fatigada que mais uma vez oferecia-lhes uma floreta, não notou que acabara de tirar a atenção do casal e que ela, a partir daquele momento, se fazia o alvo da atenção; os pares de olhos, que antes estavam contritos na entrega de amor, desviaram o sentido do amor homem-mulher e direcionaram em amor fraterno... um olhar que denotava ternura e carinho.

A dama que estava a sonhar, com o homem que estava à sua frente, observava a vendedora; jovem negra e magra, nariz aquilino, olhos vivazes e lábios bem definidos.

Enquanto a dama mirava aquela jovem mulher, também era observada pelo cavalheiro...

–Você pode sentar-se conosco... – falou a mulher.

– Não, senhora. Não devo mais importuná-los.

– Em nada irá nos importunar! Falou-lhe o homem.

Timidamente a jovem sentou-se. Possivelmente, pelo cansaço...

Os três ficaram a conversar enquanto o garçom serviu à jovem, um refrigerante e uma porção de batatas fritas.

Alguns minutos depois, a jovem decidiu partir...

– Senhorita, senhor, me desculpem... mas não posso mais incomodá-los, preciso trabalhar.

– Você não está a nos incomodar! – disse a mulher...

Enquanto ela se preparava para partir...

– Quero essas duas flores! – Falou o cavalheiro.

No singelo estoque de floretas, eram as únicas duas flores que estavam em um bouquet tão desfalcado quanto uma noiva que espera o futuro esposo que não aparece.

Sem ainda acreditar que tivesse vendido as flores, sorriu timidamente e tentou sair; imaginava que estava sendo inconveniente... Agradeceu com um muito obrigado ao casal, pela atenção que recebera e por terem permitido aqueles instantes, como se fossem velhos conhecidos.

O homem entregou uma flor à sua amada...

– Ei, jovem! – falou o homem.

A vendedora parou e virou-se...

– Esta flor é para você!!!

Sorrindo-lhe, o homem repassou a flor às mãos da jovem...e foi sem acreditar de que se tratava, a mão que antes fora estendida para entregar rosas durante toda a sua vida, naquele momento, mais uma vez, foi estendida para receber um presente que jamais esperava...

A moça, a olhar aquela rosa que ela estava tão acostumada a vender, parecia apreciar uma peça rara... e, antes mesmo que a dama que estava com o cavalheiro percebesse, foi surpreendida por um beijo de gratidão no rosto, e ao homem, a mulher que recebera a flor, disse-lhe um Deus lhe pague. Saindo do recinto às pressas, deixou que suas lágrimas rolassem no seu rosto maltratado pela labuta diária.

Os amantes, mais feliz que antes, continuaram a acariciar-se... e quando resolveram abandonar o recinto, a voz do gordo solista entoava a música Fera Ferida, do Caetano Veloso.

Muitos anos depois aquela pessoa ainda estava a vender flores... e, sobre o seu ramalhete, havia uma flor... desbotada pelo tempo, porém, bem limpa, e a sua cor contrastava com as demais flores...

Um velho, acompanhado de uma velhinha, sua esposa, por curiosidade perguntou-lhe o porquê daquela flor estar no meio daquelas outras...

E a mulher, sem reconhecer o casal, enquanto olhava aquela simples e desbotada flor, falou:

– Algo significante, senhor... um curto, porém, lindo momento da minha vida, QUE JAMAIS VOU ESQUECER!!!

Todos os meus trabalhos estão registrados na Biblioteca Nacional-RJ

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 11/10/2006
Código do texto: T261828