Respiração e meia
Gosto de estar descalço. Chego acreditar que nossa alma está nos pés e que apenas sem sapatos estaremos em plena liberdade. Devia ser chique a nudez dos pés. Posso até usar paletó e gravata apertada, mas livre-me de sapatos sociais.
Sempre que posso, onde quer que esteja, me desfaço do que estou calçando. Seja um belo e sempre apertado par de tênis, um luxuoso par de sapatos, um folgado chinelo ou quentes pares de meias, enfim. É um impulso. Não uso as mãos, meus pés são autônomos. Eles se desfazem da alcova, da prisão, do sofrimento. São desobedientes.
Meu pescoço está nos dedos. Falta-me o ar se estiverem apertados. Com eles sôfregos não inspiro oxigênio, passo a acumular gás carbônico, fico dispnéico, cianótico e vou dessa para uma melhor. Se fosse um animal, nunca poderia ter nascido pato, com seus dedos presos um no outro. Não sobreviveria. Preciso dos meus dedos, eles exercem papel fundamental na minha respiração.
Não é neurose, apesar de sermos todos psiquiátricos, é apenas um funcionamento diferenciado do meu sistema respiratório.