1930PM
Transei com quem não deveria. De novo. E cheguei atrasado. Meia hora atrasado. Todo lugar é igual. Aqui, por exemplo, é café, casal gay e a maçã mordida, maior tranqüilidade. De onde eu vim é cachaça, um casal onde não se sabe quem é o mais feio e o bilhar comendo solto, assim como a cacofonia de estilos musicais variados e dispensáveis misturados. Como pode ver, cruzei a cidade. E cadê você? Fiquei meio preocupado. Não é muito bonito transar com sangue no meio. Não, não com o sangue de um parente no meio. Você sabe. Menstruação. Na verdade, não é muito bonito sair por aí transando. É um pouco, vai. Mas é complicado. Enfim. Cheguei meia hora atrasado e não te vejo em lugar algum. Já vi o segurança correndo pra cima e pra baixo pedindo pra não estacionarem nos arredores daqui do café e nada de você. Eu e os meus atrasos. Mas nem ao menos posso perguntar pro segurança se ele viu você. É tanta gente entrando e saindo e tanto motorista afoito por estacionar o carro que se eu perguntar sobre a mãe dele, o infeliz não vai saber quem ela é. Todas essas garotinhas abastadas se vestem como você, tem o corte de cabelo parecido, a mesma altura, a mesma cabeça de vento. Falo da cabeça de vento porque eu queria estar com elas. E elas nem notam a minha existência. E pra me salvar da invisibilidade, atribuo o vácuo em suas cabeças. Não sou muito elegante ou íntegro fazendo isso. Mas ninguém sabe. Qual é, a cabeça é minha, me deixe imaginar o que quiser! Uma hora de atraso. Meia hora minha, meia hora sua. E o tempo é curto, você sabe. Vou tentar o celular. Eu tento. Desligado. Deve estar no Metrô. Mas você costuma avisar quando vai se atrasar. Será que foi embora, cansou de esperar durante os vinte e oito minutos e foi no vigésimo nono e desceu por um lado da rua enquanto eu descia pelo outro no trigésimo minuto? E esse segurança que não tem clemência dos motoristas. Já contei vinte casais, oito boiolinhas solteiros, quinze grupos de amiguinhas e dois solteiros com cara de babacas punheteiros. Imagino o quanto essa porra lucra com toda essa gente. E o gerente deve estar aflito porque sabe que enquanto você não chegar eu não vou entrar e consumir. E eu estou aflito porque sujei a cueca com sangue e deixei no cesto de roupas sujas. O que a mulher que lava a roupa vai pensar? O que a minha mãe vai pensar? Meus irmãos? Oh, céus! Já estou há uma hora esperando. Escureceu, a temperatura caiu e nada de você. Vou embora. Encontro essa desconhecida com as mãos carregadas de sacolas, toda atrapalhada. Ofereço ajuda. Conheço-a. Mora nos arredores. Mora sozinha. Me convida pra subir. Pergunta se eu não quero esperar a cerveja gelar um pouco. Tomar uma com ela, você sabe. Meu celular toca. É você. Mas agora não dá, estou no quarto da estranha, com o dedão no seu clitóris e a língua enfiada bem fundo em sua bucetinha rosada enquanto o sol desce no oeste. Você liga de novo, mas agora não dá, estou gozando. Mas gozo pensando em você. De novo, transo com quem não deveria. De novo, pensando em você. Mas desta vez não há sangue. Vou dormir aqui na casa da estranha. Ela tem oito gatos e eles gostaram de mim. Eles sempre gostam. Ela falou que eles nunca gostam de ninguém. Ela quer me ludibriar. Quer que eu durma com ela. Bebemos todo o engradado de cerveja e acordamos de ressaca. Quero ir embora. Não sei quem é essa mulher que está aqui. Não sei onde eu estou. Não quero esses gatos. Você me ligou oito vezes desde então. Eu não atendi. Desço os oito andares pela escada de emergência, zonzo, faminto, enjoado e enojado e esse telefone toca e é seu número. "Por que você não foi?", eu te pergunto. E você diz "Eu fui, cheguei um pouco atrasada!" e eu replico "Mas marcamos às 18:00 e você não apareceu, eu esperei" e você diz "Mas eu cheguei às 19:30, desculpa, e perguntei pro segurança se ele tinha visto você e ele falou que você estava esperando a sua namorada passar com as compras e foi com ela pro apartamento dela e não me atendeu e eu te odeio seu miserável, me esquece!" e eu digo que... não digo nada, fico em silêncio, continuo andando atravessando o farol verde ouvindo as buzinas e as freadas com o fone grudado no ouvido relembrando as últimas 24 horas e sentindo as pernas fracas por inanição e pelas transas vorazes com desconhecidas, constatando que, de novo, botei tudo a perder. Botei tudo a perder, por nada. São 19:31h e eu não posso voltar no tempo.
Lobão - Vou Te Levar