AS MÃOS DE ARTHUR

AS MÃOS DE ARTHUR

Eu saí de lá um pouco antes de tudo terminar,mas...Confesso:Aquêle piano ainda não saiu de mim,nem sairá jamais.Imagino.

A apresentação ,ao ar livre,aconteceu numa das praças de minha cidade,num dos extremos em relação ao local onde resido.

Saí de casa com bastante antecedência fazendo o trajeto (loongo,diga-se de passagem) à pé como é de meu costume.

O início da noite mostrava-se ameno e um traje leve me fora o suficiente.Chegamos juntos,a lua e eu,e nos deparamos com um cenário belíssimo.A rua,que fora interditada,literalmente tomada de cadeiras e em cada uma um ocupante.Pelas laterais muitas pessoas em pé,muitos rostos (meus velhos conhecidos)ostentando o brilho da expectativa.

A música,antes da apresentação principal,por conta de um trompetista,uma guitarra e um cantor de voz afinadíssima,não poderia ser das melhores.Algumas baladas dos anos 60/70,dentre as quais “I started a joke” dos Bee Gees,”My Way” Aqui o cantor dividia-se na tentativa de ser um pouco Elvis e um pouco Sinatra.E nesta divisão nem imaginava estar nos agraciando com uma belíssima interpretação que trazia mesmo era a sua griffe.

Naquêles embalos que relembravam bailes antigos,reinava um clima de aconchego e alguns casais,inspirados um pouco além da conta,deixavam transparecer publicamente o calor de suas inspirações.

Uma bandeira do Brasil,cartão postal daquela praça,desfraldava-se ao vento (e,que vento!...)num mastro um pouco atrás da carreta que servia de palco.Do outro lado da rua a gigantesca edificação de um dos mais modernos teatros do Paraná, impunha-se em concreto armado,que depois de pronto e inaugurado irá denominar-se “Centro Cultural Denise Stoklos”,em homenagem à atriz de renome internacional,aqui da terrinha,que nos envaidece a declarar em qualquer País por onde se apresenta,o orgulho de ser filha de Irati.

Preso entre o mastro da bandeira e as paredes do teatro,o palco itinerante abre-se para o show mais esperado:”Um piano pela estrada”.E,a estrela maior,sem nenhum estrelismo,surge sob as luzes do palco.Um a ligeira reverência ao público que lhe aplaude,uma espécie de alongamento pelas mãos e senta-se no banquinho.Pelo telão observa-se uma aparência tímida,quase introspectiva.

Caem as mãos sobre o teclado.As mãos de Arthur.Arthur Moreira Lima e o talento sem fronteiras que Deus lhe concedeu.”Jesus alegria dos homens” é a primeira à ser executada.Aquêle piano regido por divindades rasga as cortinas da noite.Um vento forte e muito frio vara a cidade.Tremula o pavilhão nacional!...Tremulam corações e alguns olhares marejados não conseguem segurar as travas da emoção.Nem eu.Com este meu jeitão,meio desajeitado de ver o mundo,percorro a platéia atenta,extasiada...O som do piano vasculha a alma,reascende algumas chamas.Um pouco acima da edificação,um terreno baldio.Alguns vagalumes,em silêncio de pirilampos,espiam absortos a grandeza do espetáculo.Junto-me à eles e entrego a luminosidade da minha alma à espiar a beleza brotada daquelas mãos.

Na sequência:Bethowem,Chopin,Vila Lobos...Radamez Natale e Ernesto Nazaré. O frio exagerado levou-me de volta pra casa um pouco antes do grande final.

Valeu a emoção vivida na noite de ontem.Benditas sejam aquelas mãos!As mãos de Arthur.