Linhas Póstumas

Parte I

Havia acabado de chegar à cidade, não conhecia ninguém, não tinha nenhum parente, ninguém da minha família no meu novo lar. Aliás, era esse um dos meus objetivos, fugir daquela família de loucos, ser livre. Só não contava com a dificuldade que a liberdade nos oferece. O ar se torna demais para um garotinho, feito Eu. O espaço, antes de 10m², hoje sem limites, nem se quer vejo o horizonte. Só agora percebia o quanto tinha abdicado por minha liberdade. Mas à noite, no leito da minha cama sempre batia aquela saudadezinha, principalmente de meu pai. Acho que era o silêncio que a trazia. Não gostava, era perturbador, pois. De toda a minha família, o único ao qual amava por demais, era o meu ídolo, meu pai. E naquelas horas a quais eu me deitava, batia a lembrança, a última... Antes de vir para este mundo novo. Batia a lembrança de meu pai com os olhos banhados em lágrimas, perguntando-me se realmente era aquilo que eu queria, pois poderia ser bem mais difícil do que eu fantasiava. Ele sabia do que estava por me esperar. Lembro que respondi que sim, com uma puta vontade de chorar, mas segurei, como diz a música “boys don’t cry”. Dei-lhe um abraço, forte, mais forte do que nos demais, no pé de seu ouvido um te amo.

Como dizia, havia chegado à cidade e não conhecia ninguém, era completamente sozinho. Arranjei um emprego de professor, em uma escola municipal aqui perto de minha casa. Na época quase um barraco, ai nossa! Como era horrível. Aos poucos, aos “trancos e barrancos”, fui superando as lembranças acompanhadas da saudade. E toda semana mandava uma carta a meu pai, e ele me respondia logo em seguida, da mesma forma, sempre via cartas, nunca fui muito fã de e-mail, essas coisas, sabe? E também por achar que era bem mais, “emocionante”, como um filme antigo. Aquela época, aos meus 19 anos, me sentia um homem, tinha saído de casa, terminado a faculdade e já lesionava em uma escola de verdade. Construía uma vida em cima da liberdade adquirida há pouco. Mas por detrás desta emoção toda, ainda tinha escondidinho lá no fundo um medinho, afinal, eu era um rapaz sozinho e pequeno em meio àquele mundão. Não era de muitos amigos, ou de muitas conquistas, depois de alguns meses, já bem instalado na pequena cidade, fazia parte de um grupo de “velhos”, que também lesionavam na escola municipal. E em nossas saídas, havia feito algumas conquistas, mas nada muito prolongado. Paixões passageiras.

Depois de anos, me sentia parte daquela humilde cidadezinha. Era conhecido por muitos, era respeitado como professor e já lesionava no Colégio mais importante da cidade, talvez porque fosse o único colégio federal por ali, ou o mais próximo. O outro Colégio Federal, devia se encontrar a mais ou menos uns 100 km daqui. Inviável. Sentia-me quase feliz, sim quase feliz, ainda me faltava um detalhe. Faltava-me amar, ter um amor, estava quase nos meus trinta anos, e o mais próximo que cheguei disso, foi uma namoradinha que tive muito simpática e linda, mas era boa demais para mim. Sentia-me um cafajeste, pois não a amava, enquanto a moça – Maria Antônia – no segundo dia se perdia de amores por mim. Resolvi levar aquela situação, fui levando quem sabe assim eu não a amasse também. Não a amei, mas confesso que gosto muito dela, era uma boa companhia. Depois de alguns anos, cansei, resolvi acabar com aquela minha fantasia e terminei. Hoje ela é a minha melhor amiga e confidente por aqui. Confesso que no começo ela ficou acabada, quase adoeceu, mas meu ídolo, meu pai, me ajudou nessa, ajudou-a. naquele tempo, minha mãe havia falecido em um acidente de trânsito, meu pai – um viúvo, mas vivo – resolveu vir morar comigo.

Nem pensei, já organizei tudo e tratei de me mudar para uma casa maior, e na parte de trás, construí outra menor, onde meu pai moraria e cuidaria da minha retaguarda. Era outra fase na minha vida, éramos dois solteirões pela cidade, diga-se de passagem, ambos bem sucedidos. Havia apenas uma diferença, um buscava o primeiro e verdadeiro amor, outro um novo e nem tanto verdadeiro amor, bastava não morrer sem sexo. Foram mais alguns anos, fomos felizes, muito. Mais em mim, ainda faltava um pedaço, e com o entardecer de minha idade foram ficando mais vazio mais oco. Começa a incomodar a falta daquele amor, a falta daquela amada... De uma amada. E enquanto meu pai, era o senhor mais feliz que conhecia, passava a me tornar o homem mais melancólico e sozinho. Acabara as noites quentes, aquecidas. Era tempo de tormentas, passei a escrever, na verdade desabafar. Estagnei por ali, na espera de um amor. Cheguei a achar que, algumas pessoas nascem para ficar sozinhas.

Ah, o amor, por onde andava, o quê ele era? Tornei-me um sonhador, sonhei por tempos.

Parte II

Lembro que era verão, final dele. Começava mais um ano letivo, eu caminhava pelos corredores do Colégio procurava minha sala, quando vi... Meu coração disparou, minhas pernas bambolearam, na minha cabeça, achei que estava pra morrer. Era mulher mais bonita que eu já havia visto. Passou por mim, e perguntara onde era coordenação, tremendo, suando, indiquei a direção. E o cheiro? Nossa! Mas que cheiro, não era um perfume qualquer, era um aroma... Diferente, era o aroma! Fui dar a minha aula, mas não parava de [re] passar aquela cena, aquela mulher. No fundo, esperava passar o tempo o mais rápido possível, não me agüentava precisava de ar puro, ou melhor, precisava daquele cheiro, aquele aroma.

A procurei o dia todo, não encontrei em nenhum canto do Colégio, queria saber dela, seu nome, se era solteira. Nada soube naquele dia. Para casa voltei. À noite... Puta que noite? Não tive isso, não dormir. Não sosseguei. O dia amanhecia, e eu permanecia no mesmo sofá, olhando para o teto. Assim que deu o horário arrumei-me e tomei o rumo de meu trabalho. Sem esperanças de vê-la só mais uma vez, enganei-me. Ao entrar na sala de professores, uma voz doce me desejava Bom Dia. Em seguida o aroma da minha vida. Quando olhei, era Ela, a moça do corredor. Descobri ali quer era professora nova da casa. Não imagina o tamanho da felicidade de meu coração. Quase pulei, mas me contive, disse: Seja bem Vinda a família. Ela mal sabia, que a família que eu dissera, era a minha. Eu e meu pai.

Demorou alguns meses, então já agradecia a Deus por tê-la colocado na minha vida, que se tornara tão feliz, colorida. Namoramos por alguns tempos. Ai, a aurora da minha vida... Claro, não era tão perfeito, afinal, como todo casal, tivemos nossas brigas, mas no final tudo acabava com um bom vinho, um filme e uma cama bagunçada. Não por tudo aquilo, eu deixara de escrever. Só mudei o horário. A partir dali, eu escrevia bem mais, praticamente todos os dias, e por conta da minha insônia era sempre depois de meia noite. Era como um remédio para mim, mas também gostava daquele horário por ser o mais calma, e sempre, sempre havia a companhia da Lua. Em um dos meus textos, que não era mais texto, mas um livro... Um diário, confessei, descobri enfim o amor.

Mais alguns anos, casei. Outros anos dourados fizeram parte de minha caminhada. Hoje sou avô, realizado e feliz. Por demais. Embora o amor da minha vida – a moça com aroma de baunilha – já tivera falecido, me sinto feliz, realizado. Pois sei que um dia me juntarei a ela. Mas antes que isso aconteça, resolvi por deixar registrado por aqui, um pedaço da minha historia resumida. Quiçá uma tentativa neste fim, de dizer o que é o amor, do que ele é capaz. Ou pelo menos deixar-lhes a curiosidade de ter um. E terem a chance de descobrir: Que o amor, não é só uma palavra, usada para significar o sentimento grande por demasia, não é apenas diferenciar de um pequeno gostar para um grande gostar. Não é para ser dito apenas, para demonstrar, vivê-lo. É o sentimento de bem que possuímos, tanto por aquele que vive conosco, como por nós mesmo. É a reciprocidade, uma relação de coexistência... Altruísmo se for preciso. O amor é quando você a olha, e sorri sem motivo, fica em paz, quando ela te faz carinho, é se sentir feliz tentá-la fazer a menina mais feliz é quando ela te olha, você a olha, em silêncio e apazigua-se, coração dispara... Sorriso... Paz... Felicidade... Tudo misturado, um mix de boas coisas. Amar é sempre o seu ponto de vista daquilo que te fazes muito bem.

Por aqui termino o meu último desejo, guardo em pose de um dos meus netos, o que mais me lembra quando jovem. Deixo em suas mãos estás linhas póstumas, o resumo do que fui, do meu ponto de vista do amor. Do amor.

“Embora tantas definições, o amor, será sempre o seu ponto de vista daquilo que te fazes muito bem.”

T Greg
Enviado por T Greg em 14/11/2010
Código do texto: T2614439
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