Cabelos Molhados (pedaços de mim IV)
15 anos! Adolescente, crente que o amor um dia
chegaria... Onde afinal ele estaria? Ela pensava,
enquanto saía do banho e às pressas, arrumava o
material para a aula matinal de inglês.
Sua mãe, como sempre, a seguia, lhe ajudando a
juntar os livros que teria que levar para o curso...
Só que naquele dia, algo diferente pairava no ar...
Sua mãe ansiosa, fala em tom apressado, quando
ela já cruzava a soleira da porta:
-Seu cabelo está muito molhado! Dê um jeito nisso!
É assim que quer arranjar um namorado?
Sorrindo, ela saía ainda ouvindo aquelas palavras!
Mas por que essa preocupação a essa hora da manhã...
Ah! Essa minha mãe tem cada uma!
Na esquina da rua onde morava, faz sinal para o
ônibus que a deixaria num bairro próximo de casa.
Procurando despreocupadamente um lugar, encontra
um banco lateral na parte da frente do veículo.
Senta-se ao sabor do vento, que teimava em secar
seus cabelos ainda “molhados” ...
E ela... sorria disfarçadamente, ao lembrar-se das
palavras de sua mãe:
-Assim com esse cabelo menina, não dá
para arranjar namorado!
Passou a prestar a atenção nos passageiros
Sentados a sua frente. Eram três paqueras, que
a fitavam com certa insistência. Nada de anormal
naquela cena! Os costumeiros paqueras estão em
todos os lugares...A grande diferença com os de hoje,
é que naquele época, os olhares eram muito mais
significativos e na verdade, decidiam se haveria ou não
outro tipo de aproximação.
No caso de interesse por parte da mulher, o certo,
era fitar, sorrir e continuar olhando em curtas pausas.
Essa era a forma de encorajar o paquera a aproximar-se
e a puxar uma conversa... (Não perderei tempo aqui,
a discutir a diferença com as paqueras dos dias atuais...
com certeza será assunto para um próximo texto...)
Em determinado momento, um dos três, começou
a olhá-la com certa insistência....Ela podia sentir o olhar
dele buscando o seu... Com certa timidez, começou
a corresponder, com breves lances de olhar, que se
espaçavam, à medida que a viagem transcorria.
Algumas dessas vezes, seus olhares se fitaram e ele
Esboçou um sorriso, do qual ela jamais esqueceria.
Havia uma mensagem misteriosa. que aquele olhar transmitia...
Algo místico e forte...
Parecia em alguns rápidos momentos,
que ele iria lhe dirigir a palavra...
Seria apenas uma impressão? Sua imaginação?
E a viagem continuava...
De repente, se aproximava a hora de saltar. Levantou-se
e deu o sinal para o motorista. Nesse mesmo momento,
olhou para ele, com um gentil aceno de despedida.
Para seu espanto e surpresa, ele se pos de pé, encarou-a
e perguntou: - Posso falar com você?
Hesitante e dirigindo-se para a porta do ônibus,
ela respondeu:- Não vai dar... Eu vou saltar agora...
Ele sorrindo, retrucou com firmeza: E daí?
Assim, ela saltou do ônibus, acompanhada por aquele
rapaz, é claro, meia sem graça e ainda surpresa, pela
forma como tudo começara.
Nos primeiros momentos da caminhada, os dois
apenas sorriam e se olhavam, pois havia trânsito e sinais,
até que chegaram a porta do curso de inglês.
De relance, ela reparou que ele transportava uma valise
onde se lia : Faculdade de Ciências Médicas UFF.
Foi a deixa para que ela então indagasse:-
Você estuda medicina?
-Sim respondeu ele, estava no caminho da faculdade,
que nosso encontro, impediu que acontecesse...
Prosseguindo, ele comentou:
-Olha, um dia com certeza, vou lhe contar
o estranho pensamento que me veio a cabeça, a partir
do momento em que lhe vi, ainda na rua, fazendo sinal
para tomar o ônibus!
Ela, curiosa, ainda insistiu para que ele contasse logo!
Que pensamento seria aquele, mas ele foi dizendo:
- Me dê seu telefone, pois não posso perder a aula
de Fisiologia!
Assim, do mesmo jeito que apareceu, ele desapareceu
na esquina...
Seguindo para a sala de aula, ela não sabia realmente
o que pensar... No entanto não podia negar
a forte atração que sentira por ele... Será que ele ligaria?
Chegando a casa, entrou porta a dentro gritando
às gargalhadas:
Mãe! Pela primeira vez você não acertou!
Arranjei um namorado, apesar do cabelo molhado!
Sua mãe é claro, não entendeu o que acontecia, até que ela,
ajeitando os cabelos na frente do espelho, contava
os detalhes daquele encontro, que na verdade muito a
impressionara...
Será que ele cumpriria a promessa?
Claro, que conhecer um paquera no ônibus, não representaria
nada de anormal, exceto pela forma como as coisas
se passaram e a rapidez dos acontecimentos, pois ao saber
que ela chegara ao seu destino, ele a seguiu sem pestanejar!
Que pensamento ele tivera, na hora que a viu acenar para
o ônibus parar? Por que o mistério?
Os dias se passaram... Cinco intermináveis dias...
Mesmo que ela quisesse, não conseguiria tirá-lo
do pensamento.
Sua imagem a perseguia e ela a essa altura sentia-se
angustiada... Afinal, por que ele ainda não se manifestara?
Já o mês de abril transcorria... e o encontro tinha sido no
final de março... Que agonia!
Mas foi exatamente naquele dia, que o telefone tocou
e ela ouviu sobressaltada:
- Alô! - Aqui é o seu paquera do ônibus. Ainda se lembra
de mim?
No mesmo dia, à noitinha, no portão da sua casa,
eles se encontraram e desde então nunca mais se separaram!
Meio encabulado, ele contou o pensamento que lhe ocorrera
no primeiro momento que a vira:
-É que quando lhe avistei, ainda na calçada, um
pensamento obcessivo tomou conta de mim:
-“Atenção! Essa é a mulher da sua vida!!
Não a deixe fugir!”
Casaram-se cinco anos após esse encontro.
Foi intensa e verdadeira a paixão que viveram...
Ele foi o grande amor e a única paixão de sua vida!
Jamais se separaram!
É claro,que houve brigas e desentendimentos no passar
dos anos...É lógico, que muitas vezes, a rotina e as
responsabilidades da lida os incomodavam e nem tudo
saía as mil maravilhas...Vieram filhos queridos...
Mas o amor sempre vencia e a amizade e a cumplicidade
em dividir tristezas e alegrias, devolviam a cor dourada
ao amor que os unia!
Mas toda história de amor tem sua parte triste...
Há dez anos ele se foi esperá-la junto aos anjos...
Os mesmos anjos que os uniram naquele dia de Março!
Ela ficou triste e perdida... Carência infinda...
Vazio indescritível... cristalizado em devaneios perdidos...
porém, com a certeza, que o amor verdadeiro,
é a maior maravilha que se pode ter na vida!