Impedimento
– Amor, precisamos conversar.
– Agora? Na hora do meu futebol?
– É!
– Francamente, Zuleica... DR*, na hora do futebol, nem como piada funciona mais.
– É justamente sobre isso o que quero falar...
– Piadas?
– Não, Elísio. Sobre futebol!
– Ah, não! Você não vai começar de novo com aquela ladainha de que, quando tem jogo, eu não te dou atenção...
– Não é isso.
– É sobre o meu mau humor quando o Mengão perde?
– Até deveria, né, Elísio? Este ano, ainda não te vi sorrir. Mas, também não é isso.
– Então desembucha, mulher! O que é que está pegando?
– Cansei de ouvir dizerem que mulher não entende nada de futebol.
– E entende?
– Não. E é sobre isso que quero conversar. Você vai me ensinar.
– Valei-me, Deus!
– Deixa de drama! Burra, eu não sou.
– Não é. Mas, futebol exige testosterona, entende?
– Anhé?? E o futebol feminino?
– Então? Aquelas meninas são mais homem que eu!
– Larga de ser besta. Pensa que já não te vi babando por elas?
– Ó! O jogo já vai começar...
– Não desconversa, não!
– Você não queria que eu te explicasse? Vamos assistir e você vai perguntando o que não souber.
– Tá... Desta vez, passa, mas só porque estou querendo aprender.
– E o que você quer saber?
– Hum... Por exemplo: por que ninguém passa a bola para “aquelezinho” ali, de preto?
– Zuleica! Aquele é o juiz!
– Eu sei! Tava só te zoando...
– Pô! Assim não dá! Eu aqui, na maior boa vontade...
– Foi pra você ver que a coisa podia ser bem pior... Na verdade, eu só não consigo entender mesmo é o tal do impedimento.
– Essa é fácil: menstruação e dor de cabeça.
– Muito engraçadinho! Vou incluir “piada infame” nessa sua listinha.
– Melhor eu calar a boca, senão, bola dentro, nessa área, nunca mais.
– Cala, não... Explica aí o impedimento.
– Ah! É simples. Quando alguém passa a bola pro cara que vai chutar pro gol, tem sempre que ter alguém da defesa do outro time na frente, entre ele e o goleiro.
– É no lançamento?
– Isso.
– E se tiver alguém do lado?
– O bandeirinha traça uma linha imaginária, paralela à linha de fundo...
– Complicado esse negócio.
– É nada! Presta atenção no jogo. Quando acontecer, eu mostro.
– ...
– Olha aí!
– Hummmmm!!
– Entendeu?
– É! Acho que sim...
– Me diz uma coisa... por que esse interesse súbito pelo futebol?
– Por que me escalaram pro time do departamento lá no trabalho.
– Como é que é?
– É isso aí! Sua mulherzinha vai jogar futebol.
– Mas... Você sabe jogar futebol?
– Ué!? O Richarlyson também não sabe e taí.
– E você já jogou alguma vez?
– Já fiz dois treinos.
– Uau! E quando é que tem jogo? Quero ir ver!
– Quarta à noite...
– Putz! Dia de jogo...
– Pois é.
– Bom... Deixa pra lá. No próximo eu vou...
– Ah! Quer dizer que você prefere ver o Flamengo perder do que sua esposa jogar?
– Ei! Vira essa boca pra lá! O Mengão vai sair dessa!
– Divisão?
– Para de agouro, mulher! Vai lá pro seu jogo! Depois você me conta.
Na quarta-feira à noite, depois do jogo...
– E aí? O Mengão?
– Grunf!
– Puxa! Perdeu de novo? Tá vendo? Devia ter ido me ver jogar...
– Ganhou?
– Hum hum! 5 a 2.
– Eita! Parabéns!
– É! Mas, eu resolvi pendurar as chuteiras...
– Ué? Por que?
– Muito violento esse negócio...
– Alguém te machucou?
– Não! Eu machuquei uma moça lá...
– Como?
– A bola sobrou alta na área, eu fui chutar... Não vi a menina. Entrei com o joelho na barriga dela...
– Uh! Deve ter doído...
– Pois é! Provoquei impedimento.
– Não, meu amor. Isso é falta!
– Impedimento também. Ela menstruou na hora!
– Ai!
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Texto escrito para o 6° Desafio Literário da Câmara dos Deputados - Etapa 6.
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