Pedido de Leitora Não Pode Ser Negado

Quando eu comecei a escrever, não sei. Porque eu comecei a escrever eu também não sei. Eu li em algum lugar que a arte evita a vida. E as formas de arte que eu conseguia executar ficavam impossibilitadas por conta da escassez de tempo que eu perdia no trabalho. As melhores horas do dia eu perdia no trabalho. Isso já foi dito pelo Velho Buk. E foi através do Velho Buk que houve o estalo de que eu poderia evitar a opressão do ramerrão com uma caneta e um pedaço de papel. Simples. Descobri o Recanto das Letras e fui procurando evolução e coerência, recebendo comentários de total valia e um contador de leituras que mostra que eu não estou falando sozinho. Mas não estou aqui pra falar sobre escrever.

Consegui finalmente ser mandado embora daquela porra de trabalho do inferno. Peguei uma boa grana, que me permitiu pagar minhas dívidas e ficar sossegado, além da mamata do seguro-desemprego. Tudo o que eu fazia era acordar duas da tarde, ir pra academia, comprar cerveja na volta e ficar escrevendo ou lendo ou batendo punheta e bebendo a cerveja, obviamente.

Aí eu recebo um e-mail que chega por intermédio do Recanto das Letras. Abri a parada e fiquei meio feliz por ter vindo de uma mulher. O conteúdo do e-mail era mais ou menos assim:

"Olá, tudo bem?

Olha, eu não resisti e tive que mandar esse e-mail... Estava eu de madrugada, sem sono e bebendo vinho, e fui procurar alguma coisa pra ler... Bom, achei o seu perfil no recanto e simplesmente não consegui dormir! Fiquei lendo até o sol nascer!"

Falava outras coisas que eu não me lembro. Coisas bonitas que eu não conseguia acreditar que eram pra mim. Mesmo. Respondi o e-mail todo embaraçado, todo bestinha. Ela replicou e perguntou se eu não me importava de adicioná-la no MSN. Claro que não!

Seu nome era Mari. Tinha um sobrenome europeu no seu endereço de e-mail. Adicionei no MSN e trocamos algumas palavras. Na foto, uma loura corada do sol, de óculos escuros, bebericando algum drink com a praia de fundo. E eu na merda da São Paulo cinzenta.

Mari não falava muita coisa. O assunto era praticamente os meus textos e tudo que os circundava. E eu querendo saber mais dela. Idade, número do CPF, Estado em que morava e estado civíl em que se encontrava.

Conforme os dias foram passando, Mari descobria uma nova faceta da minha alma através da minha escrita e eu descobria sua idade, sua profissão, sua faculdade, seus pensamentos.

Ela continuava me fazendo acreditar em algo melhor pra minha própria vida, mesmo sem saber, apesar de eu ressaltar pra ela esse lance.

Pois bem, Mari surtou. Morava na Paraíba e simplesmente se encheu de tudo. Falei pra ela pegar o primeiro avião que voasse pra cá e foi o que ela fez. Fui buscá-la no aeroporto. Dei uma de idiota e fiquei esperando-a com uma plaquetinha de papelão com seu nome escrito. Ela veio sorrindo e eu por pouco não deixo a baba escorrer. Nos abraçamos e ela chorou no meu ombro.

Eu era seu escritor predileto.

Abracei-a como pude. Com toda a minha força, com todo o meu agradecimento. Eu não sabia como retribuir aquele carinho que ela tinha por mim, aquela confiança que a trouxe de uma ponta do País até a outra para conhecer um cara que só conseguia ser interessante - e mesmo assim de forma razoável - no papel.

Levei-a até a Avenida Paulista. Passeamos pelo MASP, circulamos em brechós, em cafés, na Livraria Cultura, no Center 3. Passeamos de Metrô, andamos pelo Ibirapuera, fomos até o Cine Olido e comemos um churrasco grego no cabeludo da esquina da São João. O dia transcorreu de forma mansa, agradável. Andávamos de braços dados. Quem diria! E eu que já estava saturado desse rolê fiquei encantado. Parecia que o turista da história era o nativo da cidade.

Só que anoiteceu e a coisa ficava complicada: eu morava com a minha mãe e irmãos e não sei se seria uma boa idéia levar Mari em casa, inseri-la numa rotina doméstica que me dava nos nervos. Mas puta merda, era o que tinha e, então, pegamos o ônibus e viemos pra casa.

Fiz as apresentações e minha mãe achou que era alguma brincadeira. Essa história de escritor e de ter uma fã. Mas quando Mari abriu a boca ela acreditou e ficou toda orgulhosa falando um monte de coisas que me irritaram por que me deixaram sem graça ao extremo! Ora, vocês sabem como mãe é, não sabem? Mas ela foi de boa, fez a janta, que Mari adorou, e ficamos conversando um pouco até dar a hora de dormir.

Minha mãe foi dormir e levou meu irmão mais novo com ela, deixando a cama dele livre para a nossa ilustre hóspede. O meu irmão do meio foi dormir também. Ficamos na sala, assistindo alguma babaquice qualquer e caimos nos braços um do outro assim que ouvimos a primeira respiração pesada dos quartos ao lado.

Mari era quente. Tinha o sangue quente de nordestina, beijava com saliva abundante e não se fez de rogada quando eu botei o pau pra fora da calça: meteu a boca. A desgraçada leu tanto os meus textos que manipulou toda a situação: sabia os meus pontos fracos e fortes. Sabia do jeito que eu gostava e não gostava. Fiquei impressionado e meti-lhe dois dedos na bucetinha depilada, que já estava encharcada. Tinhamos que fazer tudo na surdina, pra não acordar o pessoal. As portas não tinham fechadura e estavam arreganhadas. Mas não nos importamos muito quando nos atracamos num meia nove no chão da sala ao som do Jô Soares exaltando seu próprio ego. AH, doce Mari, quando lembro dessa nossa noite tarada logo me vem seu gosto aos lábios e o seu doce almíscar nas minhas narinas! Fizemos mais duas ou três vezes, tomamos um banho e dormimos juntos.

Minha mãe não se incomodou em abrir a porta do meu quarto e nos observar abraçados na minha cama apertada de solteiro. O filho tonto dela finalmente estava fazendo algo de útil na vida.

Mari passou duas semanas comigo e nosso ritmo foi praticamente o mesmo do primeiro dia. Na hora da despedida, no aeroporto, era tangível o aperto no coração de ambos. Foi algo mágico, coisa de filme, surreal demais tanto pra um como pro outro. De certa forma, eu tinha feito a minha parte nessa vidinha. E Mari tinha feito a dela, também de certa forma. Qual é o real objetivo da vida? Quem sabe? Desta vez, que chorou no abraço fui eu. Chorei mesmo, de gratidão por todos aqueles momentos ao lado dela. O avião partiu de volta pra Paraíba e eu voltei pra rotina de acordar as duas da tarde, malhar e beber cerveja procurando o poema imortal.

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A leitora predileta pediu e o escritor favorito confirmou que o pedido de leitora não pode ser negado. Mari, Sakuma, abraça que esse é pra vocês!

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 12/11/2010
Reeditado em 12/11/2010
Código do texto: T2610909
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