Entomologia para iniciantes

Como respiração, como o ato de andar, de permanecer por aqui. Assim se faz o ato da vida. Esse ato instantâneo. Incerto, fugidio, e às vezes, inerte. Cheio de verdades, mentiras, incógnitas. Uma vida. Uma só resposta para todo tipo de questionamento que, em vão, é lançado contra o ar, contra o papel, contra o outro.

E essa é a mesma vida que sempre encontra uma forma. Um jeito imperfeito de se manifestar. Seja num olhar capturado na rua, de passagem, seja no choro solitário num apartamento no último andar.

Não se resolvem todas as equações.

É por isso que todo bom farsante, gasta parte do seu tempo, ensaiando. Porque a arte da representação, é sublime, se observada do ponto de vista da ribalta. Mas quando o farsante retira sua pintura, sua cabeleira, o que sobra, é só mais alguém acuado. Intimidado pelo grandioso espetáculo maior.

Hoje não quero mais nada. Hoje, decidi ficar mais velho. Não por necessidade. Mas por pena dos personagens. Ninguém pode morrer tantas vezes, nem errar por tantas horas seguidas. Não pretendo mais do que o essencial. Porque o supérfluo, já tenho de sobra.

Não sei se vou caminhar mais. Não sei se vou voltar ao ponto de partida. E isso também não é uma despedida. Isso, aliás, não é nada. E é tudo em vão. Tão em vão, que nem meus filhos mudarão seu curso da vida. Porque os presenteei com a existência. Mas não posso devorá-los mais.

Então, penso que o melhor seja ficar aqui com essa cara de bobo. Isso porque o mundo sempre convida, a retirarmos esse sorriso de satisfação da cara. Nada mal. Provavelmente, quando me trouxerem o chá, eu trocarei a cara de bobo, pela cara de docemente constrangido. E numa esquina da qualquer, novamente encontrarei a vida. Esta mesma e eterna pulsação.

Nada de errado comigo. Porque? Achas meu caso perdido? Não. Com certeza não. Há casos muito piores. De quem se iludiu, e pensa que realmente vive. E se movimenta para tratar da existência de coisinhas muito pequenininhas. Jurando que há um bem maior. Não. Não há um bem maior. Há a ilusão maior. Porque é inconcebível se privar da beleza, em nome do aceitável. Nesse caso, quem quizer, que durma em paz.

Eis, a vida, a beleza da respiração, novamente tocando os corpos. Eu continuo aqui. Parado. Só pensando nos corpos horizontais. E depois daquele beijo, daquele momento, o vazio. O vácuo. Um olha para cara do outro e pergunta: “quer um café?”. Não. Nada assim pode ser natural nem perfeito. Nada assim pode conter vida, porque máquinas não produzem sentimentos.

As máquinas sim. Têm propósito. São perfeitas na concepção que o homem criou para si próprio de Deus. E brincam de ser Deus. Porque para todos que estão sobre a terra, Deus sempre errou. Eu duvido.

Quanto mais permaneço aqui, mais fico interessado em insetos. Os insetos são seres belíssimos. Não vivem muito, para contar histórias. Nem são amargos como nós. Já os homens, esses, vivem demais e escrevem. O que é pior.

Por que todo esse desespero em grafitar as paredes da história? Só viver não basta? Menos. Muito menos do que isso é necessário, para eternizar uma besteira instantânea ou secular. Mas acho que ninguém aprendeu.

Respirar, andar, permanecer, tudo é necessário ante a corrida. Só que cansei antes da hora. Todos estão bem lá na frente. Mas onde vai toda essa gente, meu Deus? Pra onde essa gente tanto corre?

Agora, pinto meus olhos, minha boca, e estou um perfeito palhaço. Estou um palhaço sem a menor graça. Um palhaço que não articula seus membros, nem movimenta suas vértebras. Um palhaço pavoroso. E fumo meu cigarro. Agora, antes de entrar em cena. Mas hoje decidi ficar mais velho. Vou me demitir desse circo. Não pretendo respirar nunca mais. Sei que as crianças lá fora me esperam. Mas queria ser outra coisa, na vida. Peço ao senhor escritor que não me diga o final dessa história. Não me interessa. Assim como não me interessa ser mais personagem. Nem arremedo de espantalho.

Não. Não vou andar. Vou tirar essa peruca tola. E vou me matricular num curso de entomologia.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 10/10/2006
Código do texto: T260997