A Iniciação
A INICIAÇÃO
“Para se ganhar poder, é preciso perder a alma?”.
Adriana Pueblo
Reza a lenda que no ano de 300 D.C nascia um clã constituído na sua maioria por mulheres e que devotavam suas vidas a grande Deusa Kibolith. Assim que as moças do clã completavam 21 anos, eram iniciadas pelo grande mestre e passavam a fazer parte do grupo oficialmente recebendo a honra da grande Deusa. Mas isso era apenas o inicio do ritual, pois para se receber o poder e o espírito da Kibolith, era necessário após algum tempo sacrificar seu filho primogênito concebido anteriormente na festa da iniciação. Algumas pessoas mais velhas contam que ainda hoje existem pessoas dessa geração vivendo na cidade de São Paulo.
***
Ester caminhava apressadamente pela rua. Já era quase meia noite e ela podia sentir os sinos da igreja que se preparavam para tocar.
Mesmo sendo tão tarde, a Praça da Sé encontrava-se repleta de pessoas, algumas voltando de suas escolas, seus cursos, seus trabalhos, outras apenas caminhando sem terem para onde ir.
Mas Ester precisava chegar logo. Havia saído no começo da tarde com a esperança de estar em casa antes do anoitecer, mas não contava que aquele episódio fosse ter sérias complicações e que acabaria atrasando seu retorno.
Caminhava apressadamente de cabeça baixa pensativa quando de repente alguém a segurou pelo braço. Seu susto foi tão grande que suas pernas chegaram a bambear. Olhou e viu que se tratava de uma senhora já com cabelos brancos e bem ralos e tinha poucos dentes na boca. Era uma velha mal tratada e seu corpo chegava a ser cadavérico devido a sua magreza.
Ester a reprovou com o olhar, mas a velha não se deixou intimidar.
- Solte-me mulher! Não vê que estou com pressa? – ralhou Ester.
-Sim, eu sei e também sei por que dessa pressa, mas não se preocupe, serei breve – respondeu a velha.
-Diga-me o que quer? E seja breve então como diz – disse Ester.
-Sei onde esteve hoje e o que fez, conheço bem o seu trabalho e qual a sua missão, o de apresentar à nova vida as outras mulheres que irão fazer parte do clã. Sei que essa moça que você conversou hoje não aceitou a missão e se matou, mas não se preocupe, eu já havia alertado ela para isso, e ela preferiu assim a ter um futuro aterrorizante como o seu se não me escutar.
- O que? Como sabe de tudo isso? Estava me seguindo? É uma vidente? Diga-me sua velha louca ou deixe-me em paz! – gritou Ester.
- Calma, e me escute, por favor – disse a velha – dia 31 próximo será seu aniversario e você será iniciada oficialmente como Rainha do clã, pois fará 21 anos e tomará seu lugar de honra.
Mas cuidado com aquele que a pegar pela mão e a colocar no colo, ele tem uma tatuagem no ombro que estará escrito Destino e você deve fugir dele, por favor, me escute, eu imploro! – falou a velha com o semblante angustiado sacudindo o braço de Ester.
- Mas o que você esta falando sua louca? – perguntou Ester, mas a velha já ia se afastando – volte aqui, volte não me disse nem seu nome???
De longe a velha virou-se apenas para gritar que seu nome era Ester.
Ela não podia acreditar nas coisas que tinha ouvido. De onde aquela velha louca havia tirado tudo aquilo? De onde teria inventado toda essa historia? E porque raio teria ela o mesmo nome?
Baixou sua cabeça e continuou seu caminho. Seu pai a esperava, mas não contaria nada disso a ele. Não queria preocupá-lo com uma bobagem dessas, afinal, alem dela não entender nada, também não acreditou em nenhuma palavra do que aquela mulher lhe contou.
Entrou já mais calma em sua casa que ficava aos fundos da igreja da Sé e viu que seu pai a esperava na cozinha.
- Filha, esta atrasada, eu preciso ir – disse o pai dando um beijo em sua testa.
- Desculpe pai, hoje fui ver aquela moça e ela não aceitou a sua origem, foi horrível papai, mas os pais dela estavam conformados com tudo, como pode? Contou Ester em meio a lagrimas.
- Minha querida, sei o quanto tem sido difícil para você assumir esse serviço, mas sabe como é, algumas irão aceitar de bom grado assim como você, outras não e cabe a nós pais entender que nossos filhos preferem a morte a ter que iniciar-se no clã. Não me pergunte mais nada, algumas coisas são muito misteriosas e você só vai entender quando fizer parte oficialmente e se prepare – disse o pai já animado – seu aniversario esta chegando e você fará parte oficial do clã dos nossos antepassados, faremos uma grande festa e todos do grupo já aguardam ansiosos por esse dia.
- Sim pai, eu entendo e também estou feliz por poder fazer parte e assim ficar mais perto de você – disse Ester com certo receio no olhar, mas não deixou que seu pai notasse.
Ela esperou que seu pai saísse para o grande encontro que ela ainda não fazia parte e foi deitar-se pensando seriamente no quanto àquela mulher havia mexido com seus pensamentos.
31 de outubro de 2000 - 23:00 hrs.
Ester colocou o vestido que havia herdado de sua mãe para a festa do seu aniversario. Era um vestido longo de veludo e com um corpete bem justo e todo em verde. Preferiu deixar seus cabelos soltos. Eram longos e negros e chegavam a sua cintura. Colocou brincos e pulseiras e uma tiara em diamantes que havia pertencido a sua avó. Pegou sua maleta onde estava seu livro, sua taça de prata e sua capa. Saiu do quarto e assim que seu pai a viu encheu os olhos de lagrimas emocionado, havia chegado o grande dia!
Ele também estava muito bonito, todo de preto e sua camisa era de seda pura, nas mãos, a maleta contendo sua capa e sua taça de prata.
Juntos saíram pelas ruas da praça e caminharam em direção a avenida para encontrar-se com o grupo que já os aguardavam para irem a grande festa que seria no interior de São Paulo.
Assim que estavam quase alcançando o ponto de encontro, assustaram-se com uma velha que agarrava o braço do seu pai. Era a mesma que havia parado Ester há duas semanas.
- Por favor, senhora o que quer? – perguntou o pai de Ester já impaciente.
- Não deixe que façam isso com ela, eu imploro você sabe muito bem do que eu estou falando, não permita que faça isso com sua própria filha - pediu a velha com urgência na voz.
- Por Deus, o que esta dizendo? – aproximou-se Ester.
- Deixe comigo filha, continue andando, avise aos outros que logo me juntarei a vocês.
-Não pai, eu quero saber também, essa mulher já me parou antes e começou dizendo a mesma coisa, agora exijo que ela explique o porquê disso tudo.
- Bobagens filha, bobagens, não de ouvidos esta velha louca. Obedeça-me, já disse, continue andando – falou seu pai com uma voz autoritária.
Ester não discutiu mais, baixou a cabeça e seguiu rumo ao encontro.
Não demorou nem dez minutos e viu seu pai chegar e pelo semblante dele não ousou perguntar o que havia feito aquela mulher.
Uma hora depois o carro em que eles estavam subia o morro bem alto no interior de São Paulo, mais precisamente na cidade de Atibaia.
Seu pai foi o primeiro a sair do carro voltando-se e estendendo sua mão em direção a Ester. Pegou- a gentilmente pelo braço e a conduziu a um grupo de pessoas que já os aguardavam formando um grande circulo em volta de uma fogueira. Todos conversavam animadamente e cumprimentavam-se como se fossem de uma mesma família e Ester sentiu-se muito bem recebida.
Após alguns minutos o líder do grupo pediu que todos se sentassem em circulo no chão e em posição de pernas cruzadas e que pegassem suas taças e a posiciona-se em direção a fogueira onde ele ia enchendo taça por taça com um liquido que parecia um chá muito quente e que faria com que todos vivessem uma aproximação maior com o grande mestre.
Pediu que todos aguardassem ate o ultimo ser servido e então todos poderiam beber ao mesmo tempo e assim enquanto faziam o primeiro ritual onde se daria oficialmente a iniciação, viram o grande mestre do clã aproximando-se do circulo e começando a dançar em volta do fogo.
Seu nome era Saul, moreno, cabelos grisalhos e com olhos cor da noite sem luar. Seu magnetismo era grande e todos dali pareciam devotar esse homem. Ester não ficou atrás, seus olhos colaram-se aos dele como se fosse um imã e sentiu-se enfeitiçada imediatamente. Ali mesmo sentiu que o ar fugia dos seus pulmões e notou que todos estavam em transe por causa da bebida e começavam a dançar e a tocar instrumentos como flautas e pandeiros.
Tentou levantar-se, mas suas pernas estavam fracas. Viu que Saul vinha ao seu encontro e com uma habilidade muito grande a tomou em seu colo posicionando suas pernas em volta de sua cintura. Levou-a ao centro do circulo e começaram a dançar sensualmente e Ester achou que não suportaria tanto prazer não fazendo nenhum esforço para sair dali.
Saul começou a beijá-la começando por seu rosto, sua boca, seu pescoço e então seus seios, sem solta-la do próprio corpo segurando mais firme ainda. Por baixo do vestido, rasgou sua calcinha e a possuiu ali mesmo enfrente aos olhares extasiados dos participantes.
Começaram um movimento de vai e vem como uma dança sensual e Ester começou a sentir um frenesi ao mesmo tempo em que seu corpo inteiro começou a tremer e ela a gritar de tanto prazer. Passado o êxtase, deixou sua cabeça pender para trás e sentiu seu corpo todo mole. Ao voltar a si, descansou sua cabeça nos ombros de Saul, mas seu estado de torpor era tão grande que não conseguiu notar que em seu braço havia uma tatuagem com o nome Destino.
Soltou dos seus braços e juntos continuaram a dançar e a cantar com todos do grupo. Estava iniciada e muito feliz e ali receberia seu lugar de honra que um dia fora de sua mãe, mas sem saber que dali a alguns anos para não ver o sacrifício do seu primogênito teria que fugir do seu destino passando a viver como uma velha andarilha em plena Praça da Sé.