TEMPO E A FLOR NA LAPELA
(aos colegas da turma 1967 de aspirantes a oficial da Brigada Militar)
“Exibe-nos a Vida na lapela; a glória
dura o que dura uma manhã de sol. Após,
esgotada a cor, extinto o perfume,
a mão que nos colheu lança-nos fora,
pra que nos leve a carroça do estrume
que vem na madrugada,
ou, se chover, nos leve a enxurrada.
Reinaldo Ferreira, in Flor de Lapela, poema”.
O tempo faz suas diabruras em quase quarenta anos.
Novamente os meninos do Centro de Instrução Militar, CIM, estão juntos. Relembram-se os quatro anos acadêmicos no Curso de Formação de Oficiais, CFO, na gloriosa Brigada Militar do Rio Grande.
Áureos tempos de pós-adolescência, mesmo que 64/67 tenham sido anos de tantas mudanças na história e no regime da pátria brasileira. Até se perdeu a serena voz da democracia construída a partir da Segunda Guerra Mundial e os estertores totalitários.
O espectro ditatorial voltara. Novamente a liberdade estava reduzida à boca pequena, aos cochichos dos que pagam o preço de sonhar Liberdade.
E lá estavam os cadetes a cavar trincheiras, a limpar suas armas e a antever casamatas. Afinal, este era o juramento: “Defender a Pátria até com o sacrifício da própria vida!”.
Os “paus pra toda a obra” também cavaram buracos, sentaram pedras, fizeram argamassa “a muque” para o alojamento “B” do prédio central do CIM, nas Bananeiras. Também para o Hospital da BM, que se construía no bairro Tristeza.
Marchávamos e cantávamos todas as manhãs de sol e chuvas. Lá que outras vozes, à socapa, nos fizeram chorar por entre os muros dos feriados e finais de semana.
Havia, insólita na lapela, a flor dos que amam, e por isso constroem o futuro com destemor.
Passou o tempo das gurias e das “zoeiras”, e foi impotente a “Flika” do cadete Nelson Ligório para registrar memórias fotográficas em cima do lance.
Amadurecemos – todos – depois de tantos novembros comemorativos, que é a primavera de se contar o tempo na velha Brigada do Rio Grande, nascida lá em 1837, na plenitude ansiosa do marco revolucionário farroupilha.
A irreversibilidade da passagem do tempo encaneceu Pátria e suas cantilenas memoriais.
Na América Latina, onde a regra política usual é o golpe, e é exceção a plenitude democrática, vive-se os percalços políticos de uma nação que reaprendeu a andar por si mesma a partir da Constituição-Cidadã de 1988.
Tudo de novo, recomeçado. E se paga o preço do aprimoramento assistindo à carnificina dos partidos políticos, o levantamento dos tapetes da corrupção institucional e uma imensa sensação de impunidade do Oiapoque ao Chuí. O Povo vota de braços cruzados em 2006.
Os moços de 64 estão aqui novamente, brindando a tentativa de resgate dos tempos transcorridos.
Já não somos os “bons de bola” e também não conseguimos trocar o nome do Padre Vieira e o seu "Sermão da Sexagésima", com a Professora Julieta Longo choramingando aos nossos moucos ouvidos.
Tampouco a Canção Olímpica da Brigada, criação imortal do colega José Hilário Retamozo e o aporte musical do Capitão Zaqueu Barbosa da Silva.
A foniatria dolorosa dos tempos abafou a voz de Dinah Néri Pereira, que deve estar no andar de cima, a organizar o Orfeão Celestial, classificando naipes vocais e regionalizando São Pedro para o Rio Grande de Deus.
Partiram para a outra margem alguns cavaleiros e infantes. Parece mentira o estrago que o decurso do tempo traz. Já são seis os colegas que transpuseram de margem a margem o Rio Profundo.
Tentamos, a duros entreveros, que o Tempo nos aprimore para as comemorações dos 40 anos de formatura, de declaração ao aspirantado.
Luta-se – sempre – com o ferrete das horas, dias e anos. É célere a caminhada dos vivos. A curva ontogenética faz o seu traçado de penas e risos. Neste rolar dos dias polimos a pedra bruta.
Que se possa continuar tomando vinho e cerveja, esquecendo as restrições médicas referentes aos sexagenários, enquanto degustamos o churrasco das memórias e um naco de palavrório.
Para quem ainda pode cantar, é bom relembrar, nesta hora, que Geraldo Vandré está vivo em sua bonomia, excluindo-se – amorosamente – o tema original denunciador de Pátria e falsa mudança: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Este é ainda o sonho dos Cavaleiros, quixotescos bastiões de 1964. Alquebrados, mas muito vivos no memorialismo: estarmos juntos em novembro de 2007, para regurgitar os anos e lavar a alma.
Será quando o coração vai bater mais forte. E é possível que a emoção faça ressurgir os batimentos do relógio da vida, pois ainda choraminga o sonho de Fernando Pessoa, o português do mundo:
“Tudo, tudo vale a pena, se a alma não é pequena!”.
– Texto alinhavado em 30 minutos, durante a reunião dos colegas de turma, em 09Out2006.
– Do livro CONFESSIONÁRIO - Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/260928