A CADELA E A LUA


O estio da chuva trouxe um balançar de folhas em melodia suave, na  noite que quase já se dava por perdida, e arrisquei algum pensar, debruçada no parapeito da varanda que estivera abandonada por alguns dias.
À minha volta as luzes dos postes infiltravam-se nos coqueiros e misturavam-se aos fiapos da lua (que não se fazia de rogada) convidando-me a fazer parte do instante-cena, paisagem a dentro.

Um leve roçar do pelo claro e um latido timidamente suspirado despertou minha atenção para Kika, a simpática perdigueira que mora no quintal da casa que fiica no térro.
Deitada de lado, pernas e braços juntando as patas, Kika nem piscava. E nem mesmo a gatinha prenhe que passeia por aqui foi capaz de retirá-la dos seus sonhos.

Dizem que os cães alteram o comportamento em noites de lua e que seus uivos costumam sugerir alguma tristeza ou solidão que apertam seu peito.
Alguns, e já fui testemunha disso, costumam sair andarilhos pelas ruas, cabisbaixos, escondendo o rabo entre as pernas, meio sem destino.
Dias depois retornam ao domicílio e retomam os hábitos de sua vida de cão.
 
Encantada com a beleza dessas surpresas que a Natureza nos traz, não consegui tirar o pensamento daquela cadela romântica, enquanto ela, a cadela, não tirava os olhos da lua.

Cadelas sonham?
Aposto que sim.

Certamente que sim.