Por uma (falsa) nota de cem

Sabe essas notas falsas de dinheiro, usadas como propaganda pelas financeiras, e que você vê aos montes esparramadas pelas calçadas? Pois bem, além de sujar as ruas e levar pessoas ao endividamento pela falsa sensação do dinheiro fácil (eu sempre digo que tais financeiras não passam de agiotas legalizados pelo fato de pagarem impostos ao governo), ainda podem causar muita confusão caso alguém tenha a mesma ideia “brilhante” que eu tive alguns dias atrás.

Dobrando uma dessas notas em algumas partes e amarrotando um pouco, podemos disfarçar o seu tamanho exagerado, além de esconder aquela faixa onde pode-se ler “sem valor”...próximo passo: largar no chão e ficar observando, disfarçadamente, de longe. Fica muito fácil ser enganado por um truque tão estúpido, até eu seria, percebendo de relance o tom azulado de uma cédula já tão rara nos dias de hoje...

Eu tinha certeza de que a primeira pessoa que por ali passasse pegaria a nota sem o menor constrangimento, a menos que não a visse. O que eu não imaginava era que duas pessoas, duas jovens senhoras, algo como que matematicamente calculado, se encontrassem na mesma distância da falsa nota, caminhando em sentido contrário uma da outra. Pode parecer exagero meu, mas as duas viram o cobiçado papel ao mesmo tempo. Pararam. Olharam-se nos olhos e, como que se tivessem combinado, dispararam, simultaneamente, em direção à nota azul. Cronometricamente chegaram juntas e da mesma forma, com mão ágeis, cada qual segurou em uma pontinha do papel dobrado.

- Solte, é minha!- Gritava a morena com ar oriental.

- Como pode ser sua, eu perdi e voltava procurando por ela.- Replicava a outra, uma baixinha com cara de megera.

- Deixe disso, eu entrei ali na lotérica e percebi que a minha bolsa estava aberta. Deixei cair e voltei buscar.

Nós três sabíamos a verdade: ninguém ali era dono daquela nota. Mas o ser humano é ardiloso, pensa rápido, e frases como “eu perdi essa nota e voltava procurando por ela” às vezes são tão automáticas e podem até soar naturais, implantando a dúvida...e se fosse mesmo?

Bem...acho que eu, no lugar de qualquer uma das moças, não brigaria pelo dinheiro. Uma vez sabendo que não era meu, e considerando a hipótese que poderia sim ser do outro... melhor deixar para lá. Algo parecido acontecera comigo há pouco mais de um ano atrás (mas isso fica para outra crônica).

Acontece que as duas senhoras não pensavam como eu. Atracaram-se num corpo-a-corpo tão engraçado quanto violento. Dedo no olho, unha no nariz, cabelos então...foram os que mais sofreram, tanto que foram puxados, assim como os joelhos ralados, enquanto as duas rolavam pela calçada, a essa altura já aglomerada de curiosos que se divertiam vendo a peleja, sem no entanto mover um dedo para apartá-las. E eu de longe olhava e pensava na besteira que havia feito...

Passados alguns minutos de um autêntico “vale-tudo”, finalmente alguns partidários do “deixa disso” aparecem e separam as duas. A baixinha com cara de megera bufava, enquanto a morena de olhinhos puxados... fazia o mesmo, tudo isso em meio a palavrões que deixariam sem jeito até Dercy Gonçalves.

O desfecho: viatura da polícia, tentativa de acalmar os ânimos (em vão, já que agora a discórdia não era apenas pelo dinheiro, mas pela unha quebrada, pelo nariz arranhado...) e delegacia para registro da ocorrência. Alguns pedestres que presenciaram a cena também foram detidos por desacato a autoridade (a agressividade às vezes pode ser contagiante).

Até agora não sei com quem ficou a falsa nota. É bem possível que alguém mais esperto que as duas senhoras a tenha guardado discretamente durante o entrevero. Se o fez, imagino a decepção ao virar a esquina e desdobrá-la...e eu agora tenho assunto para pelo menos esta crônica, enquanto não tenho outra infeliz ideia como aquela .

Sérgio Kuns
Enviado por Sérgio Kuns em 10/11/2010
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