Achados no fundo da gaveta (BVIW)
No fundo esquecido de uma gaveta há um tanto de melancolia. Impossível não parar a cada objeto de lá resgatado. Foi lá que encontrei um lápis com uma das pontas roídas, como um arquivo das angustias de uma criança de seis anos, na década de cinqüenta, antes do advento das calculadoras portáteis.
Que horror! – dizia a professora Dorinha.
Isso é anti-higiênico! - dizia o irmão mais velho.
Só o lápis era testemunha das dúvidas que causam uma adição ou subtração: “vai um”; “menos dois”. Vai um para onde, se não tem um lá? Tem que imaginar um número que não existe! Ficar olhando para a lousa e meditando, tentando entender o impossível.... Só mesmo rolando o lápis na boca e nervosamente mordendo o infeliz na esperança de que de lá saia algo em seu auxílio.
Hoje, na vida, continuo a acrescentar mais um e a subtrair outros tantos com a diferença que nada existe em que me apoiar. Há quem mastigue palitos como forma de disfarçar a tensão. Outros tamborilam os dedos sobre qualquer superfície. Morder um objeto não era tão estranho assim.
Acho que acabo de descobrir porque gosto tanto de mordiscar amêndoas e amendoins enquanto realizo uma tarefa complicada. Passaram-se décadas e continuo a mesma.