EGO NACIONAL


– Que isso, cabeção?
– Uma bandeira do Brasil, ué! A gente não queria uma pra pendurar na janela para a copa?
– Oba! Legal!! Ei! Ela deve ser enorme! Onde você comprou?
– Ganhei! É a bandeira da Praça dos Três Poderes.
– Aquela, que seu tio do cerimonial nunca podia te dar?
– Ela mesma.
– Como conseguiu? Eles sempre doavam para uma instituição e tal...
– Pois é. Parece que deu “zica”. Bateu uma auditoria lá na tal instituição e descobriu umas irregularidades, uns desvios de verba... Daí, que não deu pra ficar guardando as bandeiras enquanto desenrola. Você sabia que eles trocam todo mês?
– Você tinha falado. Ela rasga com o vento, né?
– É! É porque é muito grande! É a maior do mundo, cara! Tem vinte metros por catorze e meio! E é nossa!!
– Caraca! É muita coisa! E o que é que a gente vai fazer com esse bitelo?
– Ué! Pensei em pendurar na janela!
– Ah, sim! E o esperto já perguntou pros vizinhos se vão querer uma cortina verde tampando as janelas deles a copa inteira?
– Tem a parte amarela também...
– E a azul com estrelinhas! E aí?
– É! Acho que não rola. Ei! Podemos ver com o síndico e pôr na lateral do prédio.
– Aí pode ser. Acho até que vai ficar legal... Cara! É muito pano! Deve custar uma fortuna.
– Cada mês é um estado que banca.
– Pra quê esse exagero, né? Fica esse Lula aí, querendo aparecer...
– Pára de falar do Lula, mané! Tudo o que tá errado por aqui, você diz que é coisa do Lula!
– E não é?
– Não, pô! Ela existe desde 1970. Lula ainda era sindicalista... Aliás, em matéria de exagero, a ditadura militar foi muito mais dada à megalomania...
– Como assim?
– Ué! Nossos maiores monumentos surgiram durante os anos de chumbo: Itaipu, Ponte Rio Niterói, Maracanã...
– Para desviar os olhos do mundo da merda que tava isso aqui...
– E não é sempre assim? Até Hitler usou isso... Alardeiam o que tá bom e o que não tá, ninguém vê.
– No nosso caso, ficamos buscando recordes... Queremos ser os maiores, os melhores para ninguém lembrar que no final das contas, isso aqui é uma bosta!
– Também não exagera, cara! Putz! Até nisso brasileiro é hiperbólico. O que tá bom, tá ótimo, o que não está, é péssimo!
– É esse nosso sangue latino com lundu africano. Difícil não ver as coisas com paixão...
– Sei...
– Olha só! O governo diz que somos emergentes, mas para mim, somos mesmo é um bando de terceiro-mundistas subdesenvolvidos.
– Que, pra compensar, temos a maior bandeira do mundo...
– A maior hidrelétrica...
– O Maracanã...
– Não é mais...
– Como “não é mais”??
– Pô, cara! Tem quase dez anos! Fizeram uma reforma lá e tiraram umas cadeiras. Caiu para segundo.
– Ah! Fala sério! Como é que você espera que eu mantenha o orgulho nacional?
– Orgulho nacional tem que ser muito mais do que isso, cabeção!
– Por exemplo?...
– Por exemplo: daqui a pouco começa a copa!!
– E?
– O Brasil vai ser “héxaaaaaaaaaaa”! É o melhor do muuuundoooo!!
– Éééééééé!

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Texto escrito para o 6° Desafio Literário da Câmara dos Deputados - Etapa 6.
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