Memórias
Há alguns dias estive na fazenda que um dia pertencera ao meu pai. Foi um momento de matar saudades de uma época em que subia em árvores e comia frutas sem nem ao menos lavá-las, no máximo as limpava na manga da camisa . A velha casa, hoje uma tapera, arrancou lágrimas de meus olhos, afinal foram muitos anos dividindo entre suas paredes momentos de felicidade e tristeza. Impossível não lembrar de Preto, o cavalo que eu tanto amava e, num momento de grande infortúnio, teve de ser sacrificado, já que havia contraído uma doença incurável e que lhe causava dores terríveis...meu pai incumbiu-se da tarefa e, com sua velha espingarda de caça, pôs fim ao sofrimento de meu velho amigo...
Havia ouvido de tudo naquela região, lendas, contos, fantasia...cresci convivendo com a imaginação fértil do povo da roça, que achava que em tudo havia algo de sobrenatural. Se uma luz aparecia a noite, era alma penada; se uma porta rangia na madrugada, novamente algum fantasma atormentado por seus pecados era a causa. Depois que mudei para a cidade, as assombrações sossegaram...fiquei pensando se ficaram sozinhas na velha casa hoje em ruínas...e o que fariam em um lugar sem ninguém para assombrar.
A magia daquele lugar não encontrei em outro nunca mais. Os animais nunca mais tiveram o mesmo encanto. As frutas perderam o sabor. Até das paredes que tremiam com o vento sinto falta diante da frieza do concreto sólido...voltar àquele lugar foi necessário, pois acho que um importante pedaço de mim havia ali ficado...comigo agora a dúvida se o resgatei ou deixei o que ainda restava do Carlinhos embaixo daquele pé de bracatinga onde, naquela tarde cinzenta de outono, fizera o túmulo de Preto.