Vestibular III – ENEM



Vestibular III – ENEM
 
Chove suavemente sobre o Rio de janeiro. È um início de tarde de sábado. A primeira prova do ENEM já começou. Três anos, o segundo grau, sendo mensurado em um único exame.
 
Sentado, observo o céu cinzento, com algum brilho, reflexo de um sol vivo sobre as nuvens, que neste momento ainda não são pesadas.
 
Bem ao longe já percebo uma carga de nuvens bem escuras, densas e pesadas que parecem lentamente se dirigir para o Rio de Janeiro.
 
Por aqui, nenhuma brisa corta o espaço a minha volta. Carros aos milhares, pesadamente passam pela Avenida Presidente Vargas bem a minha frente.
 
Arvores imóveis, alguns pais mais envolvidos, aguardam sobre o mesmo clima natural e emocional, que seus filhos cumpram mais esta etapa em suas vidas.
 
O murmurinho de poucas vozes é constantemente cortado pelo ruído dos carros que insensíveis aos alunos em prova, movimentam a cidade. O ruído dos carros fica mais estridente ainda com o som dos pneus rodando sobre a pista molhada. Uma buzina aqui e uma freada acolá interrompem a monotonia do recursivo som dos carros.
 
Como eu, creio que todos estão torcendo por seus filhos.
 
Bem a minha frente existe um ponto de ônibus, meio vazio e abandonado, largado ao tempo. Raras pessoas se expõem à chuva neste ponto.
 
Sem muito exercício conto quarenta e sete pessoas, dividindo espaço comigo e com a chuva. A maioria absoluta solitariamente aguarda, torcendo por seus filhos.
 
Não creio que todos sejam pais, pelo menos dois não o parecem. Um jovem, cabelo cortado à militar, tênis branco, em pé encostado em uma grade, parece mais irmão, amigo ou namorado. A certa distância a minha direita está uma jovem, tentando estudar biologia, talvez anatomia de vertebrados, cabelos vermelhos, também não me parece mãe. Entretanto todos, indistintamente vagueiam o olhar pelo céu, se questionando o porquê da chuva.
 
Eu, sentado, escondido, coberto pelo guarda chuva, desajeitadamente com meu caderninho, escrevo um pouco. Esqueci o celular e meu MP3, a atenção estava totalmente com a prova de minha filha. Não posso assim me comunicar com minha família, informando que minha filha já entrou e está fazendo este importante exame. Também não posso ouvir minhas músicas. Que fazer? Sobra-me mais tempo para escrever e ler, mesmo que no molhado.
 
Trouxe comigo o “Os ensaios – Livro 1” do grande Michel de Montaigne. Lê-lo-ei em breve.
 
Neste momento passa uma ambulância, ruído típico, alto, pedindo passagem ao transito ainda pesado. São agora uma hora e trinta e cinco minutos da tarde. A ambulância implora passagem tentando salvar mais uma vida.
 
Fico triste pela pessoa, por sua família e seus amigos, mas fico feliz de estar na chuva esperando minha filha, afinal estou bem, minha filha está bem, e tenho alguma certeza que meu filho e esposa também estão bem.
 
Ficarei aqui até minha filha terminar seu desafio. No fundo só torço para não vir um temporal, mas por enquanto não parece ser este o caso.
 
Sentado na calçada, perco a sensibilidade de minha perna esquerda. A dormência é total. Mudo de posição, lentamente a sensibilidade retorna, e agora é aquele mal estar que sempre acompanha a dormência.
 
Para terminar gostaria de reafirmar que muito amo minha filha, e ela não precisa nem passar, apesar de acreditar que conseguirá. Ela já cumpriu sua obrigação de passar direto no Colégio Militar. Esta era sua obrigação primária. Durante o ano estudou, foi à Campinas disputar a “finalíssima”, depois de cinco fases eliminatórias, da Segunda Olimpíada Nacional de História do Brasil, selecionada para esta “finalíssima” como uma das trezentas melhores colocadas nas cinco primeiras fases. De “lambuja” ainda retornou com um certificado de Honra ao mérito desta olimpíada. Com certeza ela cumpriu, e muito bem, sua obrigação neste último ano do segundo grau.
 
A chuva dá uma trégua, o céu “não abre”, o chão continua molhado, nuvens escuras continuam se aproximando, as nuvens agora não mais brilham, mas não chove neste momento.
 
Vou aproveitar e ler um pouco.
 
Só quem é pai ou mãe sabe a felicidade de ficar majestosamente esperando sua filha, ou filho, terminar sua prova.
 
Danny, muito boa sorte, tenha a certeza que você é muito mais importante que qualquer vestibular.
 
AMO-te  muito.
 
Exame
Nacional
Ensino
Médio
 
 
Eu somente existo
Naquilo que realmente sou
E naquilo que realmente faço
Mais ainda existo, na eternidade de meus filhos.
 
 
 


Arlindo Tavares
Enviado por Arlindo Tavares em 09/11/2010
Reeditado em 09/11/2010
Código do texto: T2605910
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