Coisas de gente pobre em tempo de escola...

Coisas de criança de escola pública ou aluna bolsista em colégio de religiosas, enfim, coisas da gente. E, seja gente rica ou gente pobre (nosso caso), em tempo de escola sempre se aprontam fatos pitorescos. Rememorar esses fatos é um afago na memória... Como em outro dia fora lembrado o famoso 'pão com banha' também registrado em crônica anterior, hoje ao presenciar minha sobrinha Fernanda preparar-se para ir à escola, sua mãe e eu, relembramos e rimos de alguns fatos do nosso tempo de escola. A começar pelas chacotas dos colegas em função dos nossos lanches na hora do recreio... Ah, coleguinhas insensíveis! Como não entenderem que batata doce assada, pão recheado com banana ou ovos cozidos eram os alimentos possíveis para se levar de lanche... hoje, seriam talvez ‘xis mico’ ou ‘xis egg’ modernizando e americanizando a terminologia, equiparando ao lanche da gurizada, aliás, na maioria das vezes, lanches bem menos saudáveis...

Ao nosso modo, tentávamos sobreviver naquele meio diferente da nossa morada simples na periferia... Recordo quando num final de ano tínhamos piquenique com a turma da escola e, não tínhamos dinheiro para comprar um único refrigerante. Não tivemos dúvida, afinal o importante era a diversão, roubamos limão num vizinho próximo da escola e com ajuda das tias da limpeza, que nos deram um pouco de açúcar, preparamos a nossa limonada. Final de ano, o verão já chegando, na hora de tomar o lanche, estava mais quente do que morna, a dita cuja limonada... Ainda assim, valeram as travessuras que aprontamos naquele inesquecível piquenique.

Criança tem cada uma! Reclamava Mamãe: _Ora, onde vou arranjar tecido?! Ah, mas a gente insistia, afinal, queríamos apenas uma bolsa bonita para levar o material para a escola, já que eram tão parcos nossos materiais... Pobre Mamãe, dava um jeito e, caprichava ao máximo para confeccioná-las, ainda que o tecido fosse o saco grosseiro de algodão, proveniente das embalagens de farinha e açúcar. Sim, tais alimentos eram adquiridos em fardos, para suprir as necessidades da família durante todo o mês. Diga-se de passagem, acabávamos causando inveja nas coleguinhas com a originalidade e beleza de nossas bolsas. Mamãe muito criativa, preocupava-se com a aparência estética e as enriquecia com detalhes coloridos (retalhos das costuras das madames para quem costurava). Isso o fez, até surgir a praticidade da ‘matéria plástica’ que de forma impensada sobre questões poluentes, substituiu rapidamente também nossas criativas bolsas escolares...

Ah, mas não podíamos reclamar de todo... os familiares de mamãe que moravam na fronteira e, digamos, viviam em situação mais favorável que a nossa, já que suas primas haviam se casado com militares, vez ou outra, enviavam materiais escolares para nós. Nossa que festa! Aí era a nossa revanche... lembro que nos exibíamos tanto com aqueles materiais diferentes, que certa vez um colega enciumado nos acusou de haver furtado tal material, indo queixar-se à professora. Para nossa sorte e azar do colega, dona Edite conhecia bem toda nossa família e deu um bom castigo a Carlos Alberto. Como não bastasse, ao passar diante de nossa casa o infeliz do menino, ainda teve que dar explicações ao Papai, que indignado também tomara nossas dores.

As histórias da gente continuaram, assim como continuam as saudades daquele tempo, ainda que aos olhos de alguns, possa causar estranhamento. Ora, como gostar de rememorar um passado por vezes tão inóspito... ah, tem coisas que não se explica, simplesmente se sente e, nesse sentir as dificuldades são meras evanescências, o que se retém são as coisas prazerosas, que compõem a essência da nossa difícil e saudosa infância.

Gelci Agne
Enviado por Gelci Agne em 09/11/2010
Reeditado em 15/11/2010
Código do texto: T2605894
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