Encontro casual
- Balalaika...
A mulher ergue os olhos da palavra-cruzada de maneira interrogativa.
- Instrumento de cordas do folclore russo com nove letras... Balalaika. – Ele diz sorrindo, um tanto corado.
- Como você sabe que eu...
- Você estava sussurrando a pergunta.
O rosto dela ruboriza e a deixa mais delicada. Ergue os óculos com o indicador e volta-se para o passatempo, preenchendo a palavra recém-descoberta.
- Pensei que Balalaika fosse somente aquela Vodka barata.
- Eu também... até ler Dostoiévski. – Ele responde, cerrando um volume deteriorado e grosso de James Joyce.
Ela nota “Ulisses” na capa dura e vermelha do livro. Um lampejo de admiração e surpresa ilumina-lhe a face.
- Pelo visto gosta de leituras complexas.
- É... o senso-comum me entedia.
Ficam em silêncio por um instante.
- Idioglossia... – Ele fala após um tempo, olhando pela janela do ônibus.
- Dessa vez eu não sussurrei! – Ela ergue os olhos divertida, fitando-o com admiração e interesse estudantil.
- Você simulou escrever “dialeto” nas lacunas de “Idioma privado entre poucos indivíduos; código de linguagem idiossincrático.” – Ele a fita intensamente, como quem descasca uma fruta.
Dessa vez ela cora bastante e desvia o olhar para a revista “Coquetel” dobrada na página do desafio.
- Você é professor? – Ela pergunta após um tempo fitando a caneta que rabiscava o canto da página.
- Não. Apenas curioso.
E aquilo parecia significar uma ruptura. Ambos permanecem calados em suas divagações.
Após alguns minutos, ela cerra seu volume de passatempos e levanta-se do banco. Puxa a corda de solicitação de parada.
- Até a próxima.
- Até a próxima, Senhorita Beatriz.
- Como sabe meu... – Ela começava a dizer, porém logo lembra que usava crachá da empresa onde trabalhava. - ...ah claro, como sou idiota...
- Orlando. – Ele a interrompe estendendo a mão grande. – Me chamo Orlando.
Ela aperta a mão fitando-o com um meio sorriso nos lábios.
- Até.
- Até.
E acabou ali. Ela perguntava-se, caminhando apressada pela calçada, por que descera dois pontos antes do habitual e ele sentia-se idiota e pedante.