A terra inerte

Ao bom amigo e escritor

Vlademir Lazo Correa

Ao receber o resultado das pesquisas sobre a população de Vitória dos Pomares, o Prefeito quase desmaiou. Agarrou-se na velha ecrivaninha de mogno furada de cupins e gritou ao Medeiros:

- Traga-me um copo de cachaça pura.

Todo o seu esforço para tomar a cidade de assalto das mãos do perverso Artur Gouveia estava consumido num amontoado de números. O número fatal das estatísticas. A cidade havia diminuído. Havia sobrado apenas algumas instituições impossíveis de serem transferidas: uma praça, uma igreja, um cemitério, um presídio com dois drogados e uma delegacia com dois assassinos foragidos.

Bebeu a cachaça respirando o ar fresco depois da chuva. A cabeça latejando. Amanhã mesmo enviaria a Câmara um projeto de lei para impedir a saída da cidade. Tinha a maioria, na verdade a totalidade, unanimidade de votos para qualquer projeto que desejasse. Teria que ser assim.

Olhou para longe e viu uma vaca magra vagando boçalmente em pleno centro histórrico, onde antes havia carros, comércio e gente. Retomou a pé o rumo de casa. Ficou feliz ao reconhecer o cheiro de pão fresco vindo da padaria do Olegário. Pelo menos haveria pão, apesar do tempo indefinido. Ao entrar em casa chamou pela mulher com o berro de sempre. O silêncio fez o gelar o pouco sangue em sua veias. Caminhou por toda a casa, gritou o nome de Madalena: até provocar uma revoada de pombos, além da dor profunda na garganta e no peito. A casa estava vazia como o céu sem crenças.

Após a primeira reação de ódio composta de impropérios correu para o telefone, mas o telefone estava mudo. Os habitantes da terra utilizaram o serviço de telefonia para encontrar novos destinos, e após o grande lucro de vendas da empresa telefônica, os lucros começaram a decair até o zero. A cidade era pequena demais para tecnologia que não fosse pedido de socorro exterior. Agora não havia telefonia nem tambores.

Procurou na rua o táxi do velho Pompeu. Deslizaria até a casa de Helena. Ela sufocaria sua solidão com o preço de seu corpo, mas encontrou a prostituta nos braços do Presidente da Casa Legislativa. Teria que sentar silencioso, ouvindo os gemidos artificiais do quarto, esperar a vez, mas não ficava bem para um Prefeito esperar um lugar no gozo antes de um coveiro, uma acupunturista e um fedelho levado pelo pai para perder a virgindade. Talvez fosse preciso uma lei para que as autoridades deixassem de esperar... Fosse qual fosse a ocasião.

Por sorte encontrou o Professor Almério Palmeirinha, historiador, poeta, filatelista, protético, o mesm eminente que havia deixado a astronomia pela astrologia num lance intelectual de estupidez cômica. Uma sumidade em todos os assuntos, um polimato, um ser especializado em transformar meninos rústicos em homens de letras e conhecimento selvagem. Mandou reabrir o Bar do Joca Leitão com um murro na porta e com o mesmo murro autoritário já na mesa exigiu que o professor Palmeirinha, homem de lábia, traduzisse esse êxodo em poucas palavras. Foi a custa da perda de muita água porque suava em bicas diante da ferocidade do Prefeito num estado de subtração acelerada.

– A cidade está se desidratando, disse. A água puxada pela gigantesca lavoura de arroz está sumindo da fonte. Baixou a cabeça, e como se o seu coração nutrisse alguma comoção, desabafou: mataram a essência da vida. Estamos envenenados.

O Prefeito custava a crer no que ouvia. Durante todos estes anos haviam lhe abafado a pouca realidade que cabia em seu cérebro de mosca varejeira. A mesma realidade que ele também nunca fez questão de ver zunir cercado de bajuladores. Os bajuladores de salários facilitados que ele criou a sua imagem e confiança. Depois havia o pântano das imediações, que não era pequeno e havia crescido em podridão. Os pequenos, maravilhosos, límpidos riachos de bagres, traíras e jundiás estavam deteriorados. Os pomares que davam nome a cidade querida estavam destruidos devido a ação dos aviões de lavoura. Aviões que lançavam pesticidas como napalm nas frutas.

Humilhou o professor com sua ironia dantesca antes de partir e tramou um projeto de desenvolvimento: Amanhã quando o café acabar de ser moído na reunião com o único homem rico da cidade tomaria uma decisão apropriada para ele. Entendia que um homem rico como o Anastácio Vasconcelos Pederneiras, dono de ponta a ponta de Vitória dos Pomares não recusaria a oferta. A oferta de ficar com toda a cidade para ele.

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